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A memória
A história e a memória. Na narrativa histórica, o pesquisador escolhe o objeto da pesquisa, faz um recorte temporal e espacial, define o conteúdo teórico, a metodologia e se debruça sobre as fontes da pesquisa. Após a leitura e a incansável análise das fontes, o historiador, utilizando uma base científica faz a narrativa reapresentando o passado. As universidades se ocupam da formação de historiadores-pesquisadores e dentro de suas linhas de pesquisa vão construindo a história nacional e geral. Mas quem se ocupa da memória? Muito poucos. E qual é a importância da memória dentro desse contexto? Sua importância se traduz em não deixar cair no esquecimento ou desaparecimento fatos cotidianos do passado que podem ser úteis ao pesquisador. Venho nos últimos anos entrevistando diversas pessoas em Nova Friburgo e na região norte-fluminense, nascidas nas primeiras décadas do século 20. Esse material, esses depoimentos, auxiliam em muito as lacunas que deixam as fontes primárias ou ainda ratificam alguns documentos.
Essa introdução é para falar da importância da memória. Na última terça-feira, 26, fui ao Colégio Anchieta para um encontro em celebração ao dia dos avós. Coordenado pelas professoras Jane Ayrão e Marta Fernandes Pereira achei muito interessante esse evento. Compareceram as avós dos alunos do Colégio Anchieta. Na pauta, simplesmente, a memória.
Na Idade Média, em que prevalecia a oralidade, quando os adultos faziam uma narrativa aos mais jovens, nos pontos mais importantes, davam uma bofetada no rosto dos ouvintes. Era para não esquecer. Para manter a memória sobre aquele acontecimento. Relembrar, reviver os acontecimentos e experiências do passado foi o objetivo do encontro essas senhoras avós.
Inicialmente foi exibido um vídeo sobre a memória do trem em Nova Friburgo, de minha produção feito para a Luau TV. Daí o meu comparecimento. A linha férrea foi desativada em Nova Friburgo em 1964, e muitas dessas senhoras viveram a experiência de uma viagem de trem. Todas se recordam do “vassourinha”, o último trem que passava pelo centro da cidade “varrendo” as moças decentes da rua que deveriam retornar aos seus lares. A seguir, percorreram o corredor cultural do Colégio Anchieta.
Jane Ayrão, como ninguém, traz a memória do cotidiano dos alunos e dos padres do Colégio Anchieta. Passou pelo colégio dos jesuítas Carlos Drummond de Andrade e Jane Ayrão explica com galhardia e maestria o por quê de sua expulsão. Nos registros do colégio, cadernos dos memoráveis discursos de Rui Barbosa.
Acompanhei durante toda manhã a condução do trabalho que provocava e conduzia ao passado. Cada uma delas, possivelmente, tecia mentalmente a sua própria memória e a linha do tempo. Em meu trabalho de pesquisa encontro muita resistência de pessoas idosas em falar de suas memórias. Com o tempo descobri por quê.
Muitas vezes, acontecimentos do passado não trazem boas recordações, ou ainda, trazem a saudade. E a saudade dói! Por outro lado, há aqueles que aceitam compartilhar as suas memórias ajudando a tecer a história local. Em alguns países europeus a história oral vem sendo estimulada até como medida terapêutica, mormente em casas de repouso de idosos.
Ainda com relação ao Colégio Anchieta, teve uma ocasião anterior em que participei em um desses encontros promovidos por Jane Ayrão. Tratava-se de uma palestra sobre a memória do cotidiano dos alunos do Colégio Anchieta com exibição de interessantíssimas imagens, no início do século 20. Foram convidadas diversas pessoas, muitas delas professoras, em que a faixa etária variava entre 60 e 70 anos.
O que achei curioso foi que a cada imagem exibida surgiam diversos comentários. Mal a palestrante podia avançar. Quase todas exprimiam as suas experiências nas escolas, no passado, comparando com o modelo atual de educação. Muitas foram internas do Colégio Nossa Senhora das Dores.
Quanta diferença do alunado no passado com tempos atuais! Nesse encontro, a palestra despertou a memória de seus assistentes. Missão cumprida! Acontecimentos esmaecidos do passado se não forem provocados caem totalmente no esquecimento, principalmente com a dinamicidade da vida moderna.
Seria interessante que as professoras dessem tarefas aos seus alunos de trazerem para a sala de aula a história de seus avós. Seria um bom exercício para ambos: avós e netos. Estreitam-se vínculos, criam-se laços. Quando cheguei em casa, depois do encontro com os avós, vieram a minha mente deliciosas lembranças de meus avós que já se foram e que tinham caído no esquecimento...
Obrigada a Jane Ayrão pela provocação de fazer remexer o baú de minhas memórias!
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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