Os Monnerat: uma história familiar – Última parte

quinta-feira, 09 de junho de 2016

Uma passagem curiosa ocorreu na fazenda Rancharia do Norte. José Constâncio Monnerat, sabedor da lei que extinguia a escravidão, montou a cavalo e foi até a plantação de café. O escravo cearense, Flauzino, mestiço de preto, branco e índio, procurava exercer a sua função de feitor mesmo sabendo do fim da escravidão. José Constâncio reclamou da morosidade na arrumação do café. O escravo Gregório, descansou o braço na enxada, olhou para o senhor e disse: “Olha Nhô, Nhô, vancê precisa vê que, agora, nós sêmo tão bom, como tão bom”.

José Constâncio com o rebenque aplicou-lhe uma punição diante da insolência do escravo Gregório, e em seguida, mandou que todos seguissem rumo a liberdade. Poucos dias depois, Gregório e outros ex-escravos, em sua totalidade, retornaram para a fazenda Rancharia do Norte. O ex-escravo Gregório se tornaria uma pessoa querida da família.

Os Monnerat adotaram o sistema de parceria agrícola contratando colonos portugueses, italianos e espanhóis com o fim o trabalho escravo. Segundo a memória familiar, os filhos foram educados na escola do trabalho rude e da economia. Eram do tipo que se ufanavam de que só compravam ferro, sal, pólvora e chumbo na vila. De resto, tudo produziam em suas fazendas. Não compraram títulos de nobreza, tão em moda naquela época. Aumentaram enormemente o seu patrimônio com a aquisição de fazendas falidas em decorrência da abolição da escravidão, exemplo da fazenda Santana que pertencera ao Barão de Cantagalo.

O juiz João Lins Vieira Cansansão de Sinimbú escreveu em 1851, que os irmãos Monnerat, os Lemgruber e os Luterbach gozavam de apreciável fortuna. Teriam as alianças matrimoniais entre esses suíços sido a causa ou corroborado para o aumento crescente de seu patrimônio? Olhando o exemplo desses colonos, fica a seguinte indagação: Porque o brasileiro nato, o caboclo, tão pobre como esses colonos que aqui chegaram, raramente prosperavam?

Fui buscar a resposta em Oliveira Viana, no livro “Populações Meridionais do Brasil”. Desde o período colonial, o latifúndio nunca deixou espaço para o pequeno e médio produtor rural. A tendência do grande domínio era entravá-los, asfixiá-los, eliminá-los e absorvê-los. O colonizador português utilizando a mão de obra escrava no modo de produção não precisava do homem livre pobre. Não havia lugar para ele. Além disso, o trabalho rural, assumindo um caráter essencialmente servil, tornou-se repulsivo.

O preconceito do mameluco, do cafuzo, do mulato e do português pobre contra o trabalho rural, o trabalho enxadeiro das roças, servil, que é tarefa do negro, provocava essa repulsa. O colono luso, que aqui aporta, se deixa logo tomar por esse preconceito, embora agricultor em suas origens. O mestiço brasileiro, um desclassificado permanente, na condição de inferioridade, sem meios de requerer sesmarias torna-se agregado.

 A superioridade social era desde o período colonial ter a pele branca, provir de sangue europeu, não ter mescla com raças consideradas inferiores, principalmente a negra. Mesmo entre as classes populares, o fato de ser branco é o mesmo que ser nobre. Da propriedade da terra os mestiços foram afastados. Na Carta de Lei de 1809, em que Dom João VI institui a Ordem da Torre e Espada, franqueiam-se tratos de terras para o aumento da agricultura e povoamento somente a colonos brancos.

Os mestiços, impedidos de terem acesso à terra eram geralmente cooptados por fazendeiros para compor suas milícias. Entram na rede de clientelismo, capanga temível do potentado, a soldo dos clãs familiares. Encontrei nesse autor a resposta possível do motivo de os brasileiros não lograrem êxito na sociedade da época. Já são 12 gerações desde que os colonos François Xavier Monnerat e Elizabeth Koller chegaram a Nova Friburgo em princípios do século 19. De um único casal, hoje os Monnerat são em número de 7.500 domiciliados em várias cidades do país, ligados por alianças matrimoniais com os Lutterbach, Wermeliger, Erhtal e Lemgruber.

Surpreende como cresceu a fortuna dos Monnerat, em menos de meio século. Gachet quando estimulava os suíços a imigrarem para o Brasil prometia que num prazo de 20 a 30 anos ficariam ricos ou gozariam de situação confortável. Os Monnerat acreditaram nessa promessa e deram prova de que Gachet tinha lá sua razão. 

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    Flávio Monnerat

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    Já são doze gerações desde que os colonos François Xavier Monnerat e Elizabeth Koller chegaram a Nova Friburgo em princípios do século 19

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    Parte da sede da Fazenda Santana que pertenceu ao barão de Cantagalo, hoje na família Monnerat

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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