Primeiro são os seios. A mudança é clara e gradativa. Quadris mais largos. Pernas um pouco inchadas. Sono. Às vezes, muito sono. Um corpo cada vez mais amplo, em descompasso dos outros corpos. Respirar por duas vidas, escolher por duas vidas. Sonhar alguém que conhecemos pelos chutes, pelas mexidas, pelo aperto e alívio no peito a cada ultrassom. Segurar alguém que, muitas vezes, você desejará ainda ter dentro de si. Aprender a conviver com noites curtas de sono. Levantar-se para checar a respiração. E um medo que vai mudando de foco. Todos os dias.
Somos mães. Somos mulheres. Mulheres que, cedo ou tarde, encararão o próprio corpo. As mudanças deixarão lembretes: numas mais, noutras menos. Daí iniciarão as buscas pela aparência estética de antes da maternidade. E não há nada errado nisso. O problema são os atropelos que cometemos em nós mesmas, porque não temos paciência em aceitar o óbvio: mudamos. Desde a rotina, horas divididas e preocupações até a barriga saliente, estrias, flacidez (e, por que não citar, a falta de libido?). Somos outras. Nossa natureza deveria respirar aliviada. Mas muitas de nós não conseguem. Existe uma insegurança corporal que se concretiza nas cintas apertadas, nos seios cobertos ao amamentar. Parece que fomos ensinadas a uma única forma. E fomos. Tudo nos ensina um padrão de beleza que não existe. E ninguém vem nos contar que “tudo bem, seu corpo irá mudar, irá alimentar, aprenda a vivenciar este momento”.
Seria tão mais honesto, com cada mãe, uma sociedade que não agredisse em exigências inconscientes que, muitas vezes, apavoram uma imagem no espelho. Não, nem todas nós conseguimos voltar ao corpo de antes. Algumas se sentirão ainda melhores. Outras enxergarão a beleza da mudança que existe e grita por espaço. E muitas estranharão a própria forma. E, neste estranhamento, faremos de um tudo para alcançar um padrão de beleza que não enxerga nossas aflições e nossas lutas. As urgências da mídia, da família, da melhor amiga e do marido nem sempre condizem com o nosso ritmo. A figura da mulher idealizada, tão mutável ao longo dos séculos, não pode ser maior do que nossa vivência, do que a respiração tranquila de quem ama o reflexo — no espelho e no íntimo. E ama porque compreende os trechos mais belos de ser humano. O ritmo é nosso, é de cada uma, é seu. Apavorar-se diante do natural é tão comum quanto injusto conosco, com nossa saúde (não só física, mas mental).
Olha, este texto não é um apelo ao desleixo: é uma reflexão sobre o tempo que habita nossa pele, nossos músculos, nossa mente. É um apelo pela aceitação da vida que pulsa, fortemente, em cada estereótipo não concretizado. Nestes dias de mães, é urgente a desconstrução da figura paisagística e serena que ergueram sobre o caminho emaranhado de ser colo materno, porque vem somado ao ser-mulher que já existia. Não é fácil: sabemos. É complexo distinguir as expectativas alheias daquilo que realmente sentimos, porque um padrão foi enraizado em nossos olhos. Amar a si mesma é calçar os pés descalços de dentro: e é neste momento que vivenciamos os nossos próprios desejos. Sem culpas, sem a bagunça que faz tropeçar. Ser mãe não é ser um depósito de lentes alheias. Ser mãe é depositar, em si mesma, aquilo que equilibra em meio ao tumulto de ter um pedaço de nós em outros pulsos.
Déborah Simões é escritora, graduanda em Letras pela UFF e bolsista de iniciação científica da Faper
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