Quando elas não aream panelas: poesia para a mãe desconhecida

sexta-feira, 06 de maio de 2016
por Ana Blue
Quando elas não aream panelas: poesia para a mãe desconhecida

“Eu amo o meu filho, mas eu odeio ser mãe”. Quando li essa frase numa página qualquer de Facebook, em fevereiro deste ano, me senti automaticamente reconhecida. Coisa difícil esse negócio de ser mãe — e eu sou mãe de três. Ontem à noite, explicando o conceito da capa do Light para um amigo, repeti essa frase — mas meu filho mais velho estava comigo, então, lógico, ouvi uma boa meia hora de sermão depois. “Como assim, você me odeia?”, ele perguntou, primeiro rindo, depois um pouco tenso. O meu filho, de 12 anos, que é maior do que eu.

Naquele mês, uma campanha havia tomado as redes sociais. Era o “Desafio da Maternidade”, onde cada mãe deveria compartilhar três fotos que mostrassem “o lado bom de ser mãe”. Campanha bonita, bacana, ok, rolando várias fotos de bebês fofos e crianças de seis e sete anos desdentadas, com o uniforme da escola, mas, no meio disso, Juliana Reis e seu filho, Vicente. A carioca de 25 anos não aceitou o desafio.

A moça não fez nada demais. Apenas escreveu um desabafo onde dividiu com outras mães o que elas já sabem. Falou das dificuldades, da saudade da vida e do corpo de antes. Eu também não conseguiria entrar num desafio desses primeiro porque eu não tenho paciência pra tirar 80 fotos, só gostar de três e editar uma até que não pareça eu ou meus filhos ali, mas sim o retrato de uma família tradicional, não perturbada, que almoça rigorosamente ao meio-dia e dorme às 22h. Mas Juliana foi muito mal interpretada. E pior: mal interpretada (in)justamente por outras tantas mães, que sabem que é isso aí mesmo, é verdade. T filho é lindo, mas ser mãe não é de todo bonito. Mesmo as mais prendadas, as mais cuidadosas, passam por dificuldades de aceitação e de sororidade na sociedade de vez em quando. E às vezes respondem sendo ainda mais prendadas e mais cuidadosas, o que piora mais ainda o quadro das mães como eu. Aliás, parece haver no mundo um clube de mães prendadas e perfeitas do qual eu nunca fiz parte.

Acho, inclusive, cruel delegarmos papéis a serem desenvolvidos pelas “mães ideais”. É cruel corroborarmos com este discurso de perfeição, e é quase sádico, até, se lembrarmos que a maternidade traz com ela muitas dificuldades de adaptação — entra aqui o baby blues, por exemplo, uma espécie de melancolia que atinge 60% das novas mães, das quais 40% poderão desenvolver a depressão pós-parto, sendo que 10% delas correm o risco de apresentar a forma mais severa da doença —, além de restringir, por um período, várias atividades da mulher que se torna mãe. Por esse motivo, não haverá nesse caderno uma homenagem direcionada a apenas uma mãe, com as palavras que comumente usamos (guerreira, forte, batalhadora, etc). Pelo contrário. Homenagearemos o outro lado: o lado que nunca aparece, que escondemos pra nós. O que sofre, o que sente dor, que se sente fraco e sozinho e quer desabafar. O lado que troca o jantar por Nescau se tiver que trocar. E desejo Feliz Dia das Mães torcendo para que alguém tenha feito o almoço.

“Desafio NÃO aceito! Me recuso a ser mais uma ferramenta pra iludir outras mulheres de que a maternidade é um mar de rosas e que toda mulher nasceu pra desempenhar esse papel. Eu vou lançar outro desafio, o desafio da MATERNIDADE REAL. De tudo o que as mães passam e as pessoas não dão valor, como se toda mulher já tivesse sido programada pra viver isso. Postem fotos de desconforto com a maternidade e relatem seus maiores medos ou suas piores experiências pra que mais mulheres saibam da realidade que passamos. Dizem que no final sempre acaba tudo bem, mas o meio do processo por muitas vezes é lento e doloroso.

Primeiramente, eu quero deixar bem claro que eu amo meu filho mas tô detestando ser mãe. E acho que isso não vai melhorar nem quando ele tiver a minha idade atual. 
Primeiro a gravidez. “Nossa que barriga enorme pra 7 meses”, “Esse bebê não vem não?”, “Vicente! Mas por que você escolheu esse nome, coitado!”. Pessoas, entendam que grávidas não são patrimônio público! Se o que vocês pensam não vai acrescentar positivamente na vida dela, façam o favor de não falarem NADA! Até se acrescentar positivamente, você deve pensar mil vezes antes de falar. ELA está grávida, então ela já se informou sobre o que pode ou não comer e se ela está comendo, o problema é dela! Não se metam! 

Mas aí, a pobre da mulher pensa que quando nascer vai melhorar, conta os dias até o parto chegar, esses dias que demoram mais do que toda a gestação junta. E quando a hora chega, nada sai como esperado. No meu caso, que sempre defendi com todas as forças o parto normal, afinal, meu corpo foi projetado pra isso, não tive um corpo tão bem projetado assim. Os médicos falavam que o colo do útero estava fechado e o bebê muito alto e que a cesárea seria a opção mais segura. Tudo o que eu precisava pra me sentir um lixo de mulher que não conseguiu fazer o tão raçudo parto normal. Mas quando o parto chegou ao fim eu percebi que não é um mar de rosas ter a cesárea (sinto algumas dores até hoje, com 40 dias da cirurgia.) 

Mas nada disso importa mais, tô de frente pro amor da minha vida! (oi? ) Tudo que eu senti foi uma tremedeira descontrolada que eu não sabia se era medo ou frio. E quando a médica perguntou o que eu achei do bebê, eu não tive coragem de dizer que tinha sido o bebê mais feio que eu já tinha visto e só perguntei se ele era perfeito. Quando ela disse que sim eu apaguei e quando despertei aquela criança cinza não estava mais perto de mim. Meu filho só voltou pra mim depois de algumas horas e com ele vieram mil regras e informações que eu tinha que absorver em minutos (tudo isso partida ao meio e sem poder me mexer). 

Mas agora estamos em casa. Aqui eu vou poder curtir meu filho. Errado de novo! Mais gente querendo se meter de como você deve fazer as coisas. E você, recém-operada e cheia de dores, onde encontra as forças pra debater? E nos dias que ele simplesmente grita aos prantos, a mãe tem meio que uma obrigação de saber o que ele tem. “É cólica? É refluxo? É manha? Mas como assim? Você que é mãe tem que saber!” 

E por último, mas não menos importante: a amamentação! “Mãe que é mãe tem que amamentar! Tem que sentir a maravilha que é ser o alimento do seu filho”. Hoje eu consigo amamentar com um pouco menos de dor, mas não torna as coisas mais fáceis. Meu filho mama TODA hora. E, às vezes, por uma hora inteira. “Mas seu leite não deve estar sustentando!” Nas horas que eu ouço isso eu sinto um anjo me segurar pra não voar em quem falou! Meu leite sustenta sim, obrigada! E quem não amamenta, ou porque não quer ou porque não conseguiu, não é mais ou menos mãe do que eu ou do que você que amamentou seu filho até os 30 anos de idade. 

Eu admito que reclamo disso tudo de barriga cheia. Tenho muita ajuda, não preciso fazer comida, cuidar da casa, lavar e nem passar roupa. Mas mesmo assim passo muitos dias sem nem pentear o cabelo, substituindo biscoitos por refeição e agora cada segundo de sono é o que me faz ter um mínimo de sanidade mental. Eu aplaudo de pé todas as mães, sem exceção, mas acho irracional e sadomasoquista gostar dessas coisas. Então, sim, detesto ser mãe. Até por que, passamos por isso tudo pra ainda chegarem pra você e falarem que seu filho é a cara do pai!”
Juliana Reis

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