Num dos vastos e espetaculares vales que se multiplicam pela região de Macaé de Cima, lá pelas bandas do antigo e inesquecível Hotel Fazenda São João, no terreno logo abaixo, tem um trutário. Descoberto em 2000 por Evandro Luiz da Costa Pinto em sua viagem de volta, do Rio para Friburgo, ficava na Fazenda Velho Araribá, parte integrante do hotel-fazenda que pertencia a Horst Garlipp, pioneiro na criação de truta no início da década de 1950, no estado do Rio.
A truta havia chegado ao Brasil em 1949, levada ao município de Bananal (SP - Serra da Bocaina), por meio de 5 mil ovos embrionados procedentes da Dinamarca. Estudos ambientais, biológicos e de adaptação de diversas espécies haviam sido feitos para descobrir por que não havia peixes em rios de água fria no Brasil. Constatou-se que fatores geográficos e climáticos eram responsáveis pelo problema: cachoeiras com grandes desníveis dificultavam a transposição de espécies que vivem nas planícies; temperaturas baixas no verão e mais ainda no inverno, incompatíveis com as espécies de baixas altitudes; e a inexistência de volume de água suficientemente necessária para a aclimatação das espécies nativas.
Por outro lado, o clima, a altitude, a abundância e a grande variedade de larvas de insetos aquáticos, bem como águas com propriedades físico-químicas favoráveis, sugeriam a possibilidade de adaptação de outras espécies, não nativas, cujas características de seu habitat natural se assemelhassem àquelas condições. Assim, de pesquisa em pesquisa, se chegou à espécie rainbow trout ou truta arco-íris, indicada como ideal para se tentar botar peixe em rios de águas frias.
Poucos anos depois, um descendente de alemão radicado no Brasil importou um ovo fecundado de truta, da espécie arco-íris, da Dinamarca, dando início à sua produção em Nova Friburgo. Por mais de 40 anos Horst Garlipp investiu tempo, dinheiro, dedicação apaixonada e ininterrupta na criação de trutas, chegando a meia tonelada por mês na década de 1990. O negócio, apesar de complexo e extremamente trabalhoso, despertou o interesse de outras pessoas que decidiram ter seus próprios trutários. Hoje, essa Friburgo de águas frias, puras e cristalinas se destaca como o maior produtor de truta do estado e está pronta para sediar a 10ª edição do já tradicional Festival de Truta, em novembro de 2016.
Tal história é lembrada com carinho e respeito por Evandro, que sempre cita a coragem e empenho de Horst Garlipp na longínqua década de 1950. “Inclusive, acho que o poder público podia criar algo relativo ao pioneirismo e consolidação do negócio, graças ao Horst, e à esposa Elisabeth, como um selo com a figura de uma trutinha, para marcar a cidade também como a “capital da truta”.
Afinal, a criação desse peixe envolve tudo que Friburgo tem a oferecer como atração turística: natureza exuberante, Mata Atlântica, ecologia, gastronomia e, a reboque, história, arte, enfim, cultura. Tudo isso junto incentiva visitantes a conhecer todos esses aspectos do município. Não podemos desperdiçar esse potencial”, defendeu.
O peixe que veio de longe tem grife friburguense
Envolvido pela paisagem, pela visão da propriedade com um quilômetro do Rio Macaé atravessando o terreno, e a possibilidade de reativar o criadouro, Evandro Pinto comprou a fazenda. Em seguida tratou de se qualificar para comandar um negócio complexo que exige monitoramento constante.
Hoje, 16 anos depois, ele produz uma tonelada de truta por mês, apesar de já ter alcançado três vezes esse volume. Até janeiro de 2013, antes do rompimento de uma pequena barragem que lhe deu um prejuízo sem precedentes, com a perda de 40 toneladas de uma vez, Evandro era responsável pela maior produção do estado. Com esforço, apoio de amigos e principalmente da Fiperj (Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro), ele perseverou e se reergueu.
Segundo ele, criar truta é apaixonante, mas é um investimento de alto risco: a oxigenação deve ser precisa, as temperaturas mantidas baixas e a água deve estar sempre limpa e corrente. “Antes do acidente em 2013, produzíamos quatro mil toneladas por mês. Passei todo aquele ano e o seguinte lutando contra o meu desânimo para voltar e alcançar pelo menos uma safra de uma tonelada até o final de 2015, que é mais ou menos 40% do que eu conseguia antes. Pra piorar a situação, na zona rural há uma enorme dificuldade para encontrar mão de obra e isso gera muito estresse. Quer dizer, não tem como relaxar, a responsabilidade é enorme”.
Agora, novos tempos, aliás, recompensadores, à vista. Evandro, Hércules Neves (Truta Arcoiris, em Três Picos) e demais criadores estão na expectativa da concessão de uma certificação internacional. “Vamos receber esse documento como um prêmio porque ele oficializa a qualidade da truta friburguense. Para nós, é como ter um produto de grife. Tal reconhecimento tem a finalidade de nos tornar os fornecedores de truta para as Olimpíadas, e consequentemente, a demanda, que hoje já está boa, vai aumentar”, diz Evandro, um dos seis criadores de truta do município, que juntos, atualmente, produzem cerca de três toneladas mensais.
Este certificado — o primeiro a ser concedido para produtores de peixe no Brasil — também qualifica os trutários para exportação. Inclusive, o conhecido inglês chef-estrela de televisão Jamie Oliver, ao tomar conhecimento da certificação, fez um primeiro contato com Evandro visando uma futura parceria comercial.
Para consolidar seu negócio em Friburgo, Evandro optou por investir em derivados do peixe, defumado, entre eles, pão de truta, lasanha, pastel, croquete, musse etc, em vez de atender ao mercado. “A truta é um peixe muito versátil e possibilita a criação de um cardápio variado e apetitoso. Hoje a minha produção vai direto para o nosso restaurante e delicatessen. Eventualmente atendo um ou outro restaurante da região, fornecendo entre 10 e 20 quilos de truta, e só. Mas, com a perspectiva de novos negócios certamente vou ter que expandir a criação e estamos nos preparando pra isso”, revelou, confiante.
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