​A força da agricultura familiar na região mais fértil do Estado do Rio

Vida saudável, união e apego à terra mantêm a tradição que passa de pai para filho
sexta-feira, 15 de abril de 2016
por Ana Borges
(Foto: Henrique Pinheiro)
(Foto: Henrique Pinheiro)

Nova Friburgo é um espetáculo! Da natureza. É uma das maiores produtoras de água do estado do Rio, tem a maior biodiversidade do Brasil - algo em torno de 3.500 espécies por hectare, e, ainda por cima, 40% de seu território é coberto por mata atlântica. Portanto, não admira que a agricultura tenha sido a primeira atividade econômica registrada no município. Inicialmente praticada por imigrantes, com o tempo o cultivo de inúmeras variedades de frutas, legumes, verduras e flores acabou por transformar o município em referência estadual da agroindústria.

Atualmente, Friburgo detém o título de maior produtora de morango, couve-flor e flores de corte do estado, além de produzir tomate, inhame, truta, alface, olericultura - hortaliças, de modo geral. É muita fartura de culturas folhosas, raízes, bulbos, tubérculos e frutos. Enfim, o friburguense vive cercado de um real “cinturão verde”, fato que enche de orgulho seus moradores. 

Resumindo, a região serrana fluminense continua sendo a maior produtora de hortaliças do estado e o principal fornecedor para o Ceasa-RJ, no Grande Rio, apesar das perdas causadas pela tragédia climática que atingiu vários municípios em janeiro de 2011. Com muita luta e determinação do trabalhador rural a região voltou a ser o polo de produção agrícola do Estado. Nosso homem do campo resiste às intempéries da natureza, e não desiste. 

Verde que te quero verde 

Respirando o ar impregnado de cheiros de folhas, flores, terra, atravessamos campos, imensas plantações, vales e mais vales ao longo da rodovia RJ-130, mais conhecida como Tere-Fri. Assim é Campo do Coelho, o 3º distrito que abrange localidades como São Lourenço, Três Picos, Centenário, Santa Cruz, Salinas, Barracão dos Mendes, Conquista e Alto do Vieira, com suas montanhas cobertas por inacreditáveis tons de verde.

A agricultura familiar predomina na região e uma delas é formada por uma delicada e variada ‘colcha’ de alfaces. No meio dos pés de alface, encontramos  Taqueu Nunes Soares, 43 anos, preparando a irrigação. Do outro lado da estrada que corta suas terras, estão as sementeiras - como bebês no berçário -, algumas já brotando num verde aquarela, quase prontas para o plantio. Um caminhão chega e se abastece de 30 caixas de alface com destino ao Rio. Faz isso três vezes por semana.

Taqueu, como todo o povo que lida na terra, pula da cama às seis horas da manhã, assim que o galo canta. Dos oito alqueires de terra arrendada, ele usa quatro para plantar quatro tipos de alface: americana, lisa, crespa, roxa, e brócolis. Despacha cerca de 20 caixas por caminhão, mas a quantidade pode variar de acordo com a produção que depende basicamente de cada estação, do clima, do tempo. Além disso, depende da demanda do comércio, como feiras, supermercados e restaurantes.

“No inverno, por exemplo, o consumo de hortaliças diminui. Por enquanto temos vendido toda a safra, a procura é diária, tem gente que vem três vezes por semana, ou uma vez ou duas. A maior parte desses clientes é fixa, o que dá uma ideia do quanto vamos vender. Só em época de chuva, quando a gente não tem certeza de como o tempo vai ficar é que pode atrapalhar um pouco nossos planos”, conta Taqueu, que trabalha até 11 horas quando dá uma parada para almoçar. Uma hora depois, mais ou menos, está de volta.

A plantação de Célia Maria Fonseca Ribeiro, 57 anos, viúva, uma pequena agricultora de alface, brócolis e cebolinha na localidade de Centenário, garante não só a sua sobrevivência, como a do filho, nora, filha e netos.  Só de alface ela tira uma média de 40 caixas por dia, num total de 600 pés. Mas não esquece de citar também o desperdício, que ficou em torno de 20%. O descarte é significativo mas Célia vê o lado positivo: o que não presta para consumo vira adubo.

“Nenhum pé de alface sai daqui do jeito que é colhido. As folhas que ficam em contato direto com a terra, em volta do pé, costuma estragar, amolecer, rasgar. Então, a gente tem que arrancar até chegar nas folhas que estão firmes, inteiras e bem verdinhas”, explica Célia, mostrando um pé com algumas folhas machucadas, alguns furos, nada demais. “Mas não pode ser vendido assim. O pé tem que estar perfeito”, insiste, jogando as folhas “estragadas” ali mesmo no meio da plantação, onde acabou de cortar dezenas de pés de alface, junto com toda a família.

Cheiros de todas as cores

Em São Lourenço encontramos famílias compostas de três, quatro gerações trabalhando na lavoura. É o caso da família Pereira de Souza, que está na 5ª geração de agricultores que cultivam tomate, feijão de vara, couve-flor, salsa, cebolinha, coentro, entre outras hortaliças, em cinco alqueires. A matriarca é Helena Alves Pereira de Souza, viúva, bisavó, apesar de sua aparência jovial. Ali ela nasceu, cresceu, casou e teve quatro filhos. Adelan, de 38 anos, é um deles. Junto com os irmãos, primos, cunhados e demais parentes - a família é enorme - cuida dos cinco alqueires de plantação. É muita coisa para cuidar, mas ninguém ali troca aquela vida por nenhuma outra.

No galpão onde enchem caixas e caixotes que vão para o Ceasa-Rio, o ambiente é animado, nem parece que estão trabalhando. Todo mundo fala ao mesmo tempo, crianças e adultos, riem das histórias mas não param de encaixotar a produção recém colhida. O cheiro de coentro predomina. A salsa e a cebolinha brilham de tanto frescor.  Dali saem oito caixas só de cheiro verde, diariamente. É gente acostumada com a lavoura, plantio, tempo bom, tempo ruim, preço que sobe, preço que desce, e lá se vai o povo da roça ao sabor do tempo:

“Agora , tô achando que os preços vão subir de novo porque a produção vai começar a cair, é tempo de semear. A colheita foi boa, mas não foi assim grande coisa por causa da chuvarada que não parava, então muita coisa estragou, porque folha é delicada mesmo. Em certas ocasiões a gente prefere vender barato do que insistir num preço que vai dificultar a venda. É melhor do que perder. Mesmo assim, como temos uma produção farta, sempre vale a pena”, diz Helena, cujos filhos se preparavam para iniciar no dia seguinte a semeadura de 60 mil pés de couve-flor. 

Atravessamos os canteiros e nos dirigimos para a plantação de tomate, onde a colheita também já foi feita. O tomate tem sabor, cor e cheiro de tomate. Lá, é o Márcio (Marcinho, como prefere) outro filho de dona Helena que, juntamente com o tio-avô João, ainda recolhe as últimas unidades suficientes para encher mais um caixote. Ali, o problema foi a falta de chuva. “Com a seca a gente não teve como plantar  no tempo certo. Aí tivemos que esperar, atrasar a semeadura, o que provocou o aumento do preço do tomate que já estava no mercado. Logo veio a chuva, deu tempo de trabalhar mas mesmo assim tivemos perda. Na seca o preço subiu, com a chuva, caiu. Quer dizer, quem trabalha na terra sabe que nem sempre as coisas saem como a gente imagina. Domingo passado eu vendi feijão de vara a R$ 70 a caixa, na quarta-feira seguinte, vendi a R$ 20. É assim, mas não troco isso por nada nesse mundo”, enfatiza Marcinho, sorrindo, de bem com a vida.

Foto da galeria
(Fotos: Henrique Pinheiro)
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