O cotidiano dos escravos nas fazendas de café – Última parte

quinta-feira, 07 de abril de 2016

Na semana passada escrevi sobre a alimentação dos escravos recomendada pelo Conde de São Clemente, filho do Barão de Nova Friburgo, no ano de 1879, para as suas fazendas café. Inicialmente farei algumas observações baseadas em uma crítica que recebi sobre esse artigo de um importante historiador de nossa cidade.

Relatei que os escravos enfermos eram recolhidos ao “hospital” e o mencionado historiador me chama a atenção de que “falar em hospital mereceria uma caracterização particular”. Já havia esclarecido na matéria que a instalação de um “hospital” passou a existir nas fazendas depois que o preço dos escravos se elevou sobremaneira devido a lei de 1850, que proibia o tráfico intercontinental de cativos.

Esclarecendo mais ainda, não era uma questão humanitária, e sim, cuidado e zelo com o patrimônio, já que o escravo tinha a condição de “coisa”, “res”, herança do direito romano. Mas que fique claro aos leitores que esse “hospital” era um simples ambiente para tratamento de escravos doentes nas fazendas.

No século 19, a palavra hospital tinha uma conotação negativa. A Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, para ficar em um exemplo, tratava somente de indivíduos miseráveis, fazia partos de mães solteiras, etc. A elite se tratava em suas próprias residências.

Outra crítica que meu colega historiador me fez foi de ter passado a impressão de que os escravos eram bem alimentados e bem tratados porque destaquei a presença de gordura e açúcar em sua dieta alimentar e igualmente da fatura. O conde recomendava “abundância” até o escravo se satisfazer. Se o leitor teve a mesma impressão de meu colega historiador não corresponde a realidade, pois não há humanismo na escravidão. O conde apenas recomendava muita gordura de porco e açúcar na alimentação de seus escravos para imprimir-lhes energia, tão somente. Agradeço as intervenções desse historiador e ficam aqui os esclarecimentos.

Retornando ao assunto da alimentação dos escravos no Império, o colono suíço Joseph Hecht observou a comida dos mesmos em nossa região. Constava de arroz ou legumes, pequenos nacos de carne de porco tudo polvilhado com farinha de mandioca. Jogando a farinha sobre o arroz, legumes e nacos de carne, misturavam tudo até fazer uma massa espessa. A seguir, com os dedos faziam pelotas redondas que atiravam dentro da boca. O matuto brasileiro fazia o mesmo e denominava essa prática de fazer o “capitão”.

Nesta semana visitei Vila Areinhas, no distrito de Boa Sorte, em Cantagalo. Essa vila fica exatamente em frente a sede da Fazenda Areas, que pertencia ao Barão de Nova Friburgo. Possivelmente a Vila Areinhas é uma comunidade quilombola, pois quase todos os moradores são negros e nos relatam histórias do tempo do barão contadas por seus ancestrais.

A vila fica exatamente sobre o terreiro de secagem de café, já totalmente encoberto com terra e grama. No tema da alimentação achei algo curioso. Em um refresco de limão crioulo que me foi oferecido, além do açúcar acrescentam inhame. O inhame veio do continente africano para o Brasil. Essa iguaria tem origem vocabular na África Ocidental que significa comer: sonoramente foi passando de ñame, iñame, igname, yame, yam, yams até chegar a inhame.

A raiz que alimentava o brasileiro era a mandioca, mas o inhame era uma iguaria igualmente apreciada. Como a cultura africana se assimila rapidamente em um restaurante local o suco era de limão, inhame, cenoura e açúcar. Ao adquirir uma geleia de tangerina nessa suposta comunidade quilombola percebi que o açúcar era mascavo. Gosto de passado da suculenta rapadura! Pelo quintal outra surpresa: uma árvore de cabaça, planta originária da África usada como alimentação, recipiente de água e na confecção de artesanato.

Na semana que vem trato das instruções gerais para a administração das fazendas no tocante a alimentação dos colonos nas fazendas do Barão de Nova Friburgo. 

  • Foto da galeria

    Fazenda Areas, em Cantagalo, pertencente ao Barão de Nova Friburgo

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    Na localidade de Boa Sorte, distrito de Cantagalo, residem muitos descendentes de escravos.

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    Vila Areinhas, surgida sobre o antigo terreiro de pedra de secagem do café. Possivelmente uma comunidade quilombola.

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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