Classe média de Friburgo aperta o cinto

Para avaliar como a crise está afetando as pessoas ouvimos profissionais e aposentados do município
sexta-feira, 01 de abril de 2016
por Ana Borges
(Foto: Lúcio Cesar Pereira)
(Foto: Lúcio Cesar Pereira)

Entre assustado e irritado, o brasileiro se sente, justamente, ‘sem pai nem mãe’ ao caminhar entre as prateleiras de supermercados. Nem se dão ao trabalho de disfarçar a gama de sentimentos ruins que os assaltam (nesse contexto, a palavra é perfeita) ao fazer a compra do mês: raiva, frustração, inconformismo, desconfiança, entre outros tantos. 

A inflação, algo que os mais jovens (entre 19 e 29 anos) até pouco tempo desconheciam, voltou de forma impiedosa, com jeito de que não vai embora tão cedo. A geração que está aí com pouco mais de 30 era criança na época da hiperinflação (anos 1980), mas lembra dos comentários ouvidos em casa sobre a subida de preços entre a manhã e a tarde do mesmo dia. A turma dos 40 tem uma percepção mais clara de como é, pois sentiu na pele aqueles tempos sombrios. Já a dos 50 em diante, é como reviver um pesadelo. 

Para avaliar como a crise está afetando as pessoas, ouvimos uns e outros profissionais e aposentados em Nova Friburgo. Boa parte está endividada — com contas atrasadas, enrolados no cheque especial, cartão de crédito, nome no SPC — enfim, um tormento sem solução à vista, já que, além do alto custo de vida, a instabilidade do mercado de trabalho campeia com rédeas soltas. 

Os juros estão nas alturas, a taxa de cartão supera os 400% ao ano, um terço da população não consegue pagar as contas. Em meio a tudo isso, o desemprego só aumenta. Daí, dizem os especialistas, quem se endividou não vai conseguir pagar. E a inadimplência só cresce. A desesperança vai tomando conta do brasileiro, que não vê perspectiva de melhoria nem a médio prazo. A longo, talvez, quem sabe, um dia.

Para equilibrar o orçamento está valendo tudo, desde a economia com energia, gás, água, telefone, e nas compras de alimentos e remédios: bloquear ligação de fixo para celular, mudar hábitos arraigados por marcas, substituir produtos caros pelos baratos, optar por embalagens menores, usar e abusar dos refis. Estas são algumas medidas mais imediatas. E pesquisar, sempre, tudo. Nas farmácias, assim como em supermercados, todo esforço vale a pena, porque a variação pode alcançar até incríveis 89% no preço do quilo do pó de café, por exemplo, o mesmo com a banana. Nas farmácias, acontece o mesmo. 

De acordo com a pesquisa de preços do Núcleo da Universidade Candido Mendes, realizada semanalmente, e publicada toda sexta-feira, em A VOZ DA SERRA, a cesta básica chegou ao mês de abril com valor próximo de sua maior média histórica. “Com o valor de R$ 369,26, a cesta básica de alimentos em Nova Friburgo inicia o quarto mês do ano apenas 0,71% abaixo de sua maior média histórica, registrada em janeiro deste ano, quando os itens de alimentação saíam por R$ 371,90". 

E 2016 sepultou as expectativas... 

Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a cesta básica do Rio é a terceira mais cara do país: em janeiro subiu 12,6%. E, de acordo com o IBGE, a inflação no Rio foi a mais alta do país, pressionada por alimentos e transporte. No entanto, as pessoas aguardaram, ansiosamente, a chegada de 2016. É a tal história: ano novo, vida nova. A expectativa de uma inflação controlada levou a população a vislumbrar um horizonte menos nebuloso. Ledo engano. A realidade arrombou a porta das famílias brasileiras e se instalou de mala e cuia na sala, quarto e cozinha. 

No caso do proprietário de salão de beleza Evaldo Debossan, foi exatamente isso o que aconteceu. Bem sucedido na carreira de mais de 20 anos, com uma carteira de clientes fiéis, ele e a esposa Marciane puxaram o freio. “Tomamos uma série de providências. Controle no gasto com roupas e sapatos, energia, gás, supermercado. Na alimentação, estamos optando por marcas mais em conta, experimentando outras que nunca usamos e abrindo mão de certos produtos. Em vez de carne, frango, por exemplo”, revela.

Mas a iniciativa mais radical teve como alvo a educação. Pai de um rapaz já encaminhado na vida, tem duas meninas em idade escolar. “Abrimos mão do plano de saúde da família, que custava mais de mil reais, para mantê-las no colégio particular. Acreditamos que esse investimento é muito mais importante. Até porque estamos na faixa dos 40 anos, temos saúde, usamos pouco o plano. E, se porventura algum de nós tiver qualquer tipo de problema de saúde, teremos como resolver. Já a educação é um investimento que não se perde, prepara melhor a pessoa para enfrentar o futuro. Fizemos o certo”, diz, convicto.  

Idosos mudam hábitos para garantir a saúde

Por outro lado, aposentados da classe média e média alta não estão exatamente passando dificuldades, mas estão mais cautelosos com os gastos, para garantir a saúde. Exatamente por estarem com mais de 70 anos, as condições física, mental e neurológica exigem cuidados extras que nem sempre estão cobertos pelo plano de saúde. Que, aliás, para essa faixa etária é o mais caro, assim como os remédios, boa parte de uso contínuo, além de terapias, acompanhantes, cuidadores, alimentação balanceada, complementos e por aí vai.

A viúva Telma Tereza Lima e Silva, de 78 anos, faz parte desse grupo. Além de sua privilegiada aposentadoria, recebe o maior valor de pensão do ex-marido pelo INSS. “Não posso me queixar quanto ao meu padrão de vida, que na base, não mudou. Na verdade só tive que abrir mão de certos luxos, como consumo de produtos importados, viagens e quantidade de jantares em restaurantes. Assim, reduzi bem os gastos. O que mais me preocupa no momento, é que não haja alteração quanto ao recebimento dos meus proventos no dia certo. Sem atrasos nem os tais parcelamentos que andam acontecendo nos salários de funcionários do estado”, comentou.

A colunista de A VOZ DA SERRA Beth do Licínio passou por diversos planos econômicos e assim resumiu a sua percepção do atual momento: “Minha geração bem conheceu as agruras de uma hiperinflação vencida após muito sofrimento do povo brasileiro. Acreditei que jamais fosse retornar e ela está aí, infelizmente. Todos sofrem com a carestia que faz com que o mês não caiba no salário. Estamos voltando ao garimpo de preços e caça às promoções. A terceira idade padece com os preços dos remédios e sai a pesquisar os melhores, quando deveria ter garantido o direito à tranquilidade e ao sossego. Os hábitos estão mudando no intuito de economizar: estamos abrindo mão dos prazeres do lazer, de um jantar brindado com um bom vinho, de uma roupa nova ou daquele calçado desejado. Agora, só em sonhos. Tenho receios sobre o que nos aguarda”. 

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TAGS: comércio | economia
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