Entre os 118 itens produzidos em Nova Friburgo destacamos uma pequena mas expressiva parcela deles para revelar a importância de nossa agricultura para todo o Estado. Como o caqui, tema da segunda reportagem da série Agricultura, publicada após matéria sobre análise do solo com o zootecnista Selmo de Oliveira Santos.
Hoje é a vez do shiitake, um produto que os chefs de cozinha adotaram desde o início e os consumidores vêm se deliciando em vários pratos. Originário do sudeste asiático, tornou-se conhecido no Brasil por meio da culinária japonesa, e hoje, ao cair no gosto popular, está presente em pizzarias, churrascarias, bares e restaurantes self-service. O shiitake é o segundo cogumelo mais consumido no país, ficando atrás apenas do champignon, natural da Europa, introduzido no Brasil entre as décadas de 1960 e 70.
Ainda assim, o consumo de cogumelos é considerado pequeno no país, com cerca de 200 gramas ao ano por habitante, embora venha apontando expansão do mercado nas últimas décadas. No Japão, o consumo médio é de 6 quilos/ano por habitante e, em países da Europa, de 3 a 4 quilos.
Já o cultivo comercial cresce desde os anos 1990, pelo sistema de inoculação de toras de eucalipto (prática considerada condenada e que não deve durar muito, segundo produtores). Em seu lugar, outra forma de cultivo vem ganhando força: é a do bloco, composto de substrato preparado à base de serragem, geralmente adicionado de farelos (soja, trigo, arroz, etc) e calcário. É neste tipo de cultivo, pioneiro em Nova Friburgo, que Daniel Angelo e Gustavo Tobler estão empenhados, há mais de dois anos.
“Quando procurei o Daniel, há quase 3 anos, nossa meta não era simplesmente ganhar dinheiro. Quando vou a uma reunião e um consultor inicia uma palestra dizendo ‘vamos ganhar dinheiro’, eu questiono, porque não partimos dessa premissa. Temos um ideal, um objetivo que mira o coletivo, de promover uma expansão que seja boa para todos nós que atuamos nessa área”, diz Gustavo. “Também somos sonhadores, temos paixão pelo que fazemos, paixão por esse negócio. Nós nos juntamos para tornar esse sonho realidade”, complementa Daniel.
Aliás, Daniel - que produz shiitake em toras, há 4 anos - passou uma semana se perguntando quem era “esse cara que chegou aqui de uma hora pra outra propondo uma junção para criar um produto pioneiro na região”. Mas, de conversa em conversa, acabou se entusiasmando com a ideia e acertando a parceria. Passaram a trabalhar no sítio do Gustavo, no Stucky, enquanto metiam a cara nos livros, dedicando horas e horas a pesquisas em livros e artigos de especialistas em fungos. Ambos têm formação acadêmica: Gustavo em eletrônica e fisioterapia, e Daniel, em música (UFRJ).
O ponto zero e o processo
Embora as toras ainda sejam usadas, os blocos ocupam cada vez mais espaço. “O processamento do bloco é um desafio até a conclusão. Sua formação exige um processo complicadíssimo, no qual estamos trabalhando há mais de dois anos. Partindo do ponto zero, é uma peça em sua forma mais embriônica possível: começa com a aquisição do eucaliptal para dela tirarmos a melhor madeira para o primeiro o substrato, no caso, a serragem. O shiitake que queremos produzir começa aqui, assim. É um processo orgânico, industrial, laboratorial, complexo. Mas como resultado de trabalho e investimento, estamos bem próximos de chegar onde queremos, de ser capazes de fornecer shiitakes em grande escala e também suprir a demanda do mercado por blocos. Vamos atuar nos dois nichos”, dizem os sócios, confiantes.
Do projeto-piloto inicial, aquisição de equipamentos, contratação de mão de obra, além de dedicação e paciência, a dupla persevera no objetivo de criar um polo produtor de shiitake em Nova Friburgo. “Estamos prontos para alcançar essa meta para nos livrar da dependência do substrato de São Paulo, de blocos que nunca sabemos em que condições chegarão. Já estamos conseguindo fazer blocos semelhantes aos de São Paulo - considerado o melhor - com a diferença, a boa diferença, aliás, que leva a nossa 'assinatura', a marca de Nova Friburgo", reiteram.
Quando eles dizem que atingiram um estágio próximo ao produto paulista, sustentam que alcançaram o mesmo nível de excelência. “Agora é só uma questão de estabilizar e neste e no próximo ano estaremos firmes na produção de blocos, de maneira consistente para nos fixar nesse mercado para ficar. Vamos chegar a uma escala de produção que era nossa meta desde o início, quando nos propusemos a isso”, avalia, Gustavo, ao que Daniel, completa, lembrando a dureza da empreitada:
“Foram dois anos de tentativas, entre acertos e erros. Cansamos de ver o nosso substrato sucumbir, não conseguíamos acertar o ponto. A gente produzia 500 blocos e jogava fora os 500. Aí fazia mais 500 e de novo ia tudo pro lixo. Isso acontecia quase sempre, era muito frustrante, desanimador, mas a gente não cogitava desistir. Percebemos que nos faltava conhecimento, tecnologia, estudo, equipamento, enfim, quase tudo. Fomos fundo em todas essas questões. E conseguimos”, diz, Daniel, confiante.
No fim das contas, o caminho percorrido por Daniel e Gustavo os levou ao que se comprometeram: criar um fungo de origem friburguense. “Existem diversos shiitakes, um número incalculável de fungos, e nós nos empenhamos em produzir um tipo originário de Nova Friburgo. Hoje, nos sentimos recompensados”, encerram.
Sobre os fungos e o shiitake
Estima-se que existam 1,5 milhão de espécies identificadas, número que representa apenas 30% dos fungos existentes. A micologia, ciência que os estuda não dá conta de identificar tanta variedade. Há fungos que nascem e morrem em poucas horas. Uns são deliciosas iguarias, outros são venenos fatais e existem ainda aqueles que funcionam como poderosos alucinógenos. Há também aqueles que impulsionam inovações na medicina.
A palavra shiitake tem origem no japonês shii (árvore parecida com carvalho) e take (cogumelo). A primeira referência histórica do consumo de shiitake nativo data de 100 a.C., no Japão. Cultivos rústicos são registrados na China durante a dinastia Sung, entre os anos de 969 e 1127, sendo o chinês Wu San Kwung, considerado o primeiro produtor. Posteriormente, o cultivo foi expandido para os demais países da Ásia Oriental, tornando-se, para estes países, um produto agrícola e industrial importante.
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