Colunas
O mercado das pulgas de ouro
"Hahaha, sei"
Essa foi a resposta que a Anna me deu quando eu disse que não ia comprar nada na Feira De Vinil do Rio de Janeiro, que fomos no shopping Downtown, na Barra, no domingo dia 6. Eu não tinha dinheiro, quero dizer, intenção de comprar nada. Me sentia indo para uma exposição, não a uma feira. Mas colecionadores se comportam de forma diferente nesses eventos. Tudo mudou depois que descemos do 656.
No almoço ficávamos tentando nos doutrinar e planejar as compras. “Vamos comprar só coisas que valerem a pena e chorando o preço”, ela disse. “Será que a gente acha o Transa por menos de R$80?”, perguntei de forma ingênua, quase fazendo um pedido para as estrelas. “Se a gente achar até esse preço faço questão de comprar”, Anna respondeu.
De cara achei a feira muito diferente da que costumo ir. A primeira era o tamanho. Natural, sem sustos. Mas deu um pouco de “medo” ver mais gente e de olho nos discos que eu gostaria de ter. A concorrência era maior na corrida do ouro. A outra era os preços. Ali só tinha gente antenada no que estava vendendo. Não havia ninguém das lojas “Desavisados Discos”.
O primeiro álbum que vimos foi o nosso tão sonhado Transa (1972), do Caetano Veloso. Anna apontou pra ele na primeira bancada que vimos. Exposto em uma kombi que meio que se intitulava um “food truck de vinis”. Como todo trailer gourmet, os preços eram altos. De longe, as vendas mais caras. O disco que tanto queríamos custava R$155. Caro, ok. Também achamos. Mas outros preços praticados estavam altíssimos.
Esse é, literalmente, o preço de comprar vinil na mão de quem entende. Dificilmente você vai sair no lucro pelos dois lados — levar o disco e a preço de banana. O que mais nos chamou atenção — além de, claro, vermos o Transa — não foram as edições japonesas dos Beatles, o Tropicália a R$300 ou os LPs (lindos, apaixonantes e lacrados) dos Mutantes.
Um preço esquisito praticado em toda a feira foi o do disco Clube da Esquina (1972), de Milton Nascimento e Lô Borges. “Cara, R$160? Esses malucos tão metendo a mão! Esse aqui tá com a capa rabiscada e mesmo assim tá R$120!” Era muito esquisito ver que um disco que tinha em todas as bancas estava com um preço alto. É um disco duplo e clássico, sim, mas por que tão caro? Todo mundo que coleciona disco tem essa bolacha e é sempre fácil achá-la. Apesar da indignação, não íamos comprá-lo de qualquer forma.
Na próxima bancada já fomos muito focados. Uma divisão explicava todo o nosso sentimento com música brasileira. Havia uma divisão em “MPB” e “Brasilidades”. Explicando de uma forma rápida: Gal Costa nos anos 1970 cantando “Dê Um Rolê” e tocando “Chuva de Prata” décadas depois. MPB é banquinho e violão, efeitos eletrônicos muito artificiais. Brasilidade é sem firula.
Encontramos na sessão brasilidades mais alguns discos lindos, mas nenhuma compra. Foi assim em várias branquinhas até entendermos melhor o que fazer. O primeiro LP que comprei foi o Led Zeppelin III. Chorando a grana, levei bem barato para o preço geral do disco na feira. A Anna investiu em disco zero km. Levou o disco do Jorge Ben de 1969, com capa do Albery. Uma coisa linda, virou um quadro na estante.
Em uma bancada mais roquista, comecei a folhear uma daquelas sessões “um é sete, três é quinze”. Na onda do vai que cola, achei uma raridade, o disco Fausto Fawcett e Os Robôs Efêmeros (1987), um dos melhores lances de rock dos anos 1980. A capa estava gasta e não tinha encarte. “Faz por cinco?”, indaguei o vendedor, que tinha jeitão de roqueiro das antigas, que topou numa boa. Colou.
Era interessante observar as pessoas e ver um sentimento geral nos vendedores e no público, incluindo em mim: todo mundo se acha muito esperto nesses lugares. “Esse disco tá com a capa meio gasta aqui na ponta e tem um arranhãozinho”, argumentei tentando economizar uns trocados no Cinema Transcendental (1979), do Caetano. “Arranhão assim não tem problema. Não sei se você entende, mas só pula a música se o risco tiver em alto relevo.” Tomei, mas conseguimos pegar o LP um pouco mais barato.
No mesmo assunto, outro lance interessante era a postura de um vendedor quando um rapaz chegou para lhe vender discos. Com um ar turrão-blasé, o senhor de mais de sessenta anos, camisa de rock progressivo e estereótipo de maníaco do prog falou para o jovem: “Posso até pegar, mas sabe que não posso pagar muito, né? Pego pra revenda e olhe lá”. Não vi o fim da negociação. As raridades do rock nacional em CD me prenderam muito mais do que aquilo. O Peso, Som Nosso de Cada Dia e Terreno Baldio. Aquele senhor não ia sair no prejuízo.
Outra observação que fazíamos era descobrir o preço dos nossos discos. A Anna se saiu bem melhor que eu nessa. Enquanto descobri que só The Queen Is Dead (1986), Nevermind (1991) e Criaturas da Noite (1975) tinham valores muito além do que eu esperava, ela descobriu que só a coleção de O Terço, Clara Crocodilo (1982) e Tudo Foi Feito Pelo Sol (1975) eram pequenas fortunas que ela tinha. “Dá pra pagar um pouco dos estudos das crianças”, brincamos.
Já estávamos muito cansados nessa altura e sentamos para conversar um pouco. Anna me aconselhou de forma muito sensata: “Por que a gente não volta lá no cara que me vendeu o Jorge Ben? Você não vai ter mais oportunidade de pegar um disco zero por R$60. Tá muito barato”. Realmente estava.
Nenhum caminho é muito fácil. Até chegarmos lá, esbarramos com outro Transa. Dessa vez ainda mais caro, R$200. Que dor no coração. Foi ainda nessa andada que achamos o LP mais caro que vimos na feira: uma raríssima bolacha do Daminhão Experiença, pela bagatela de R$430. Aposto que voltou pra casa com o vendedor.
Enfim, chegamos à útima missão. Desistimos de comprar um Sá, Rodrix e Guarabyra pelo disco novo. Minha dúvida no estande da Parayba Discos foi dura: Jards Macalé (1972) ou Revólver (1975), do Walter Franco? Ora, quem me conhece bem sabe qual foi a decisão final. Voltei pra casa com Abraçaço (2012), do Caetano Veloso.
E é sobre isso que são as feiras de vinil: barganha de preço, sustos, capas lindas, gastar moedas que não se tem e voltar pra casa feliz, só com o dinheiro da passagem.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário