Uso indiscriminado de fumacê aumenta a população de mosquitos imunes

Dose acima do recomendado transforma remédio em veneno e é recurso extremo só indicado para momentos de alta transmissão
terça-feira, 01 de março de 2016
por Ana Borges
(Foto: Flickr)
(Foto: Flickr)

“Nebulização (fumacê) são inseticidas líquidos espalhados pelas máquinas de nebulização, que matam os insetos adultos enquanto estão voando, pela manhã e à tarde, porque o Aedes tem hábitos diurnos. O fumacê não deve ser aplicado indiscriminadamente, sendo utilizado somente quando existe a transmissão da doença em surtos ou epidemias. Desse modo, a nebulização pode ser considerada um recurso extremo, porque é utilizada num momento de alta transmissão, quando as ações preventivas de combate à dengue falharam ou não foram adotadas”, descreve o Dicionário inFormal.

Os especialistas alertam que a “ação do inseticida é localizada e pouco duradoura e mata somente mosquitos que estiverem voando no momento em que o veneno é usado. Seu efeito dura, em média, meia hora. Depois disso não mata mais nenhum mosquito que por acaso vá sobrevoar o local. Por isso, a maneira mais eficaz de combater o avanço dos mosquitos é acabar com os criadouros”.

A entomologista Denise Valle, da Fiocruz, que estuda as formas de conter a expansão do Aedes aegypti, esclarece: “Todos os inseticidas são neurotóxicos, ou seja, atacam o sistema nervoso. O que muda de remédio para veneno é a dose. Neste caso [combate ao Aedes aegypti] ele é jogado em doses capazes de matar o mosquito. O problema é o uso indiscriminado de inseticidas. Há condomínios que passam inseticida duas vezes por dia, um absurdo. O inseticida serve para bloquear epidemias e não deve nunca ser usado de forma preventiva”.

Nova Friburgo não utiliza os veículos de fumacê para combater o Aedes. De acordo com o secretário municipal de Saúde, Rafael Tavares, “essa estratégia de combate acaba matando predadores naturais do Aedes aegypti, como aranhas e lagartixas. Além disso, na primeira chuva, esse veneno contamina os lençóis freáticos. Como o fumacê apenas vaporiza as ruas, acaba não atingindo os criadouros dentro das residências. Por isso a cooperação das pessoas em fiscalizar os possíveis focos dentro de suas casas ainda é a melhor estratégia”.

Segundo boletim da Coordenação de Vigilância Epidemiológica, durante o período de 3 de janeiro de 2016 a 20 de fevereiro foram confirmados: dengue, 621 casos; zika (casos suspeitos em gestante), 29 casos em investigação, aguardando resultados laboratoriais específicos enviados ao laboratório de referência. (Dados atualizados em 24/02/2016 e sujeitos a revisão).

Aedes aegypti se espalha pelo mundo desde o período das colonizações

Nunca é demais recapitular: O mosquito transmissor da dengue é originário do Egito, na África, e vem se espalhando pelas regiões tropicais e subtropicais do planeta desde o século 16, período das grandes navegações, era das descobertas de novas terras. Acredita-se que o vetor foi introduzido no Novo Mundo, no período colonial, por meio de navios que traficavam escravos. Ele foi descrito cientificamente pela primeira vez em 1762, quando foi denominado Culex aegypti. O nome definitivo – Aedes aegypti – foi estabelecido em 1818, após a descrição do gênero Aedes.

Relatos da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) mostram que a primeira epidemia de dengue no continente americano ocorreu no Peru, no início do século 19, com surtos no Caribe, Estados Unidos, Colômbia e Venezuela. No Brasil, os primeiros relatos de dengue datam do final do século 19, em Curitiba (PR), e do início do século 20, em Niterói (RJ).

No início do século 20, o mosquito já era um problema, mas não por causa da dengue - na época, a principal preocupação era a transmissão da febre amarela. Em 1955, o Brasil erradicou o Aedes aegypti como resultado de medidas para controle da doença. No final da década de 1960, o relaxamento das medidas adotadas levou à reintrodução do vetor em território nacional. Hoje, o mosquito é encontrado em todos os estados brasileiros.

Pesquisa de 1908 descrevia características do Aedes

O verão de 1908 deixou a população carioca em alerta pelo risco da febre amarela. Foi nesse contexto que o entomologista Antônio Gonçalves Peryassú, pesquisador do então Instituto Soroterápico Federal, que ganharia o nome de Instituto Oswaldo Cruz (IOC) naquele mesmo ano, fez descobertas sobre o ciclo de vida, os hábitos e a biologia do A.aegypti. Seus estudos foram fundamentais para a erradicação do mosquito em território nacional nas décadas seguintes e ainda hoje norteiam as pesquisas sobre o controle do vetor.

As descobertas de Peryassú deram ainda mais força à campanha movida pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz para eliminação do mosquito, que foi controlado na década de 1920 no Rio de Janeiro e considerado erradicado do Brasil pouco mais de trinta anos depois. A maioria dos pontos levantados em suas pesquisas continua na agenda científica dos especialistas que hoje buscam desenvolver estratégias de controle do mosquito transmissor da dengue.

Numa breve retrospectiva, verificamos que a primeira epidemia de dengue no Brasil ocorreu em 1916, em São Paulo. Poucos anos depois, a cidade de Niterói também teve centenas de moradores infectados. Depois de décadas sem registro da doença, em 1981 houve uma segunda epidemia de dengue no país, que se concentrou no Amapá e em Roraima. Em 1986, nova epidemia, desta vez no Rio de Janeiro e no Nordeste. Desde então, casos de dengue se tornaram frequentes, com ciclos de maior e menor intensidade.

Nuvem de fumaça só funciona por duas horas

No entanto, a pulverização de inseticida vem sendo usada com frequência (duas ou três vezes por semana) em condomínios no Rio de Janeiro, com apoio de todos os moradores. Segundo os síndicos, o fumacê tem dado resultado e nenhum morador pegou dengue ou zika. São unânimes em afirmar que “logo depois que o carro passa, diminui a quantidade de mosquitos voando. Todos percebem e comentam”. O que corrobora o que dizem os especialistas. Mata os insetos que voam naquele momento, mas passado o efeito, outros surgem em seguida.

No Brasil, o inseticida utilizado no fumacê é o malathion. Sua fórmula é diferente dos inseticidas encontrados nos supermercados e sua distribuição é feita somente pelo governo federal, que compra o produto e distribui para os estados, que repassa aos municípios.

Por ser um inseticida, o malathion pode causar danos à saúde se a exposição ao produto for longa ou corriqueira. Por isso, quando ele é jogado em residências, os moradores devem deixar o local junto com seus animais de estimação. O fumacê tem ação temporária e pontual, por isso não é considerado o método ideal para acabar com o Aedes e outros mosquitos que carregam vírus perigosos. “A melhor forma de evitar os mosquitos é acabar com os criadouros, não usando o inseticida”, reiteram os especialistas.

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TAGS: Aedes Aegypti | fumacê
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