Sanatório Naval: um baú de histórias

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Desfile de 7 de setembro em Nova Friburgo. Escolas municipais, as tradicionais bandas de música, o tiro de guerra, bombeiros, polícia militar, instituições da cidade e os fuzileiros navais. Muitos já devem ter se perguntado: o que faz uma base da Marinha do Brasil na região serrana? E por que os friburguenses se referem a essa instituição militar como Sanatório Naval e não como Marinha? Essas respostas estão em uma interessante história que remonta ao fim do século 19. As condições climáticas, pureza do ar, temperatura amena e superioridade da água davam a representação ao município de um sanatório. No último quartel do século 19, a Marinha instala em Nova Friburgo uma enfermaria para abrigar marujos portadores de beribéri. Não obstante a Marinha estabelecer o marco de sua instalação em Nova Friburgo a partir de 1910, na realidade, as fontes indicam que desde julho de 1889 uma enfermaria na rua Gal. Osório já dava tratamento aos oficiais e praças para aquela doença. Recebiam aplicação de duchas como meio terapêutico para as atrofias musculares no Instituto Sanitário Hidroterápico. O Ministério da Marinha tentou adquirir esse instituto mas encontrou resistência da população e de um veranista frequente na cidade: Rui Barbosa. Esse advogado e político foi o responsável pela obstrução deste projeto, adiando por mais de duas décadas a vinda do Sanatório Naval para Nova Friburgo. No jornal Diário de Notícias, Rui Barbosa protestou contra a aquisição do Instituto Hidroterápico pela Marinha, pois contrariava a população permanente e flutuante de Nova Friburgo, ameaçando-a na sua salubridade. Além disso, a Marinha não gozava do respeito que possui atualmente entre a população. Marujada desenvolta, sem freio e disciplina e notadamente desordeira, até meados do século vinte será essa a sua imagem entre a população friburguense.  

A Marinha inicia negociações para a aquisição de um antigo e tradicional hotel em Nova Friburgo, o Hotel Leuenroth, na Rua Leuenroth tendo o hotel dado nome à essa rua no centro da cidade.  Rui Barbosa em outra defesa da salubridade de Nova Friburgo associa a enfermaria de beribéricos, até então conhecida como doença contagiosa, a um “centro de peste” no coração da galante vila acarretando a “extinção de Friburgo”. A Marinha se voltou então para o antigo Pavilhão de Caça do Conde de Nova Friburgo. Mas dessa vez a pena de Rui Barbosa se calou. E por quê? Até pouco tempo acreditei porque trocara Nova Friburgo por Petrópolis como estação de veraneio. Mas encontrei adiante outra resposta. Rui Barbosa era amigo íntimo da família Clemente Pinto, descendentes do Barão de Nova Friburgo, proprietários do pavilhão de caça que a Marinha pretendia adquirir. Não gozavam de boa situação financeira e por isso necessitavam vender aquela propriedade. Presume-se o silêncio de Rui Barbosa dessa amizade com a família. A população e a Câmara Municipal não estavam nada satisfeitas com aquela aquisição. No entanto, dessa vez a Marinha recorreu à intervenção do presidente da República, Nilo Peçanha, que apoiou essa instituição e a compra acabou se concretizando. Finalmente, a Marinha instalaria um sanatório para o tratamento de portadores de beribéri e igualmente de tuberculosos em Nova Friburgo. O presidente Nilo Peçanha veio a inauguração do sanatório e o seu retrato repousa até hoje no gabinete do comandante geral do Sanatório Naval em homenagem ao seu apoio.

Em 30 de junho de 1910, o Sanatório Naval foi inaugurado em Nova Friburgo.  A partir da década de 30, a prioridade volta-se para a tuberculose. Em 18 de fevereiro de 1936 foi inaugurado o Hospital de Tuberculosos. Desde então, os oficiais e praças da Marinha passaram a levar a alcunha de “H.T.” entre os friburguenses, ou seja, oriundos do hospital de tuberculosos.  Em 1941, por solicitação do diretor do Sanatório Naval, as irmãs de caridade da Ordem de São Vicente de Paulo são convidadas a auxiliar na Clínica Tisiológica, trabalhando na lavanderia, cozinha e assistência espiritual aos enfermos. Foram providenciadas habitações às freiras próximas ao Hospital de Tuberculosos. Edificou-se dois anos depois uma capela dedicada a N. S da Conceição.    O Hospital de Tuberculosos funcionou até o ano de 1966 e desde então se encontra desativado. Na Primeira Guerra Mundial marinheiros alemães de navios mercantes foram presos e parte deles levados para o Sanatório Naval, criando-se uma infraestrutura para abrigá-los. A Marinha preserva até hoje essas antigas instalações inclusive as que serviram de detenção dos prisioneiros alemães na Primeira Guerra Mundial. Como vemos, o Sanatório Naval é um baú de histórias em Nova Friburgo!

 

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    O Hospital de Tuberculosos funcionou até o ano de 1966 e se encontra desativado (Cortesia: Janaína Botelho)

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    Instalações que serviram de detenção dos prisioneiros alemães na Primeir Guerra Mundial (Cortesia: Janaína Botelho)

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    Capela dedicada a N. S. da Conceição (Cortesia: Janaína Botelho)

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Janaína Botelho

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História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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