Na tarde da última quarta-feira, 17, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 7 votos a 4, que réus condenados em segunda instância cumpram pena de prisão, isto é, antes de se esgotarem todos os recursos possíveis da defesa. Em linhas gerais, se antes os processos passavam décadas sem solução e os réus podiam recorrer em liberdade ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao STF, agora, a sentença condenatória de um tribunal de Justiça estadual (TJ) ou de um tribunal regional federal será suficiente para a execução da pena.
Em 2009, a Corte decidiu que a prisão só seria definitiva após o chamado “trânsito em julgado” do processo, por respeito ao princípio da presunção de inocência. Entretanto, para a maioria dos ministros, a mudança no sistema penal combate a ideia de morosidade da Justiça e a sensação de impunidade.
Outro argumento é que a mudança prestigia o trabalho de juízes de primeira e segunda instância, evitando que se tornem “tribunais de passagem”, além de impedir a ocorrência de centenas de pedidos de recursos, uma tentativa de adiar o início do cumprimento da prisão.
Entre os ministros que votaram a favor estão o relator da proposta, Teori Zavascki, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. De acordo com o relator, a manutenção da sentença condenatória pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado. Eventuais recursos cabíveis ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo restringem-se à análise de questões de direito. A ministra Rosa Weber e os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, presidente da Corte, votaram contra.
Em nota divulgada à imprensa na última sexta-feira, 19, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro manifestou preocupação diante da decisão do tribunal, afirmando ser um retrocesso humanístico, que afeta o direito de liberdade dos brasileiros. “O efetivo carcerário brasileiro é composto por 63% de mulheres e 27% de homens presos por tráfico. Em muitos desses casos os tribunais estaduais têm negado aos acusados alternativas legais à privação de liberdade (art. 33, §4o da Lei 11.343/06), o que em larga medida tem sido reparado nas instâncias superiores, garantindo-se a liberdade até o esgotamento das instâncias recursais. Neste sentido, o giro jurisprudencial adotado aprofundará o cenário de colapso do sistema penitenciário no Brasil. Além da terceira maior população prisional no cenário mundial, o Brasil ostenta também as quintas maiores taxas de ocupação carcerária (superlotação) e de presos provisórios (sem condenação transitada em julgado) do mundo”.
O documento diz ainda que a “ao relativizar a presunção de inocência, o STF oxigena sobremaneira o poder punitivo estatal, contrariando a vocação histórica da jurisdição criminal, motivos pelos quais a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro não poderia deixar de manifestar publicamente sua preocupação.
Na opinião da advogada criminalista Célia Campos, representante da OAB e presidente da Comissão dos Direitos Humanos da 9ª subseção, “a recente decisão do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus (126.292) foi um soco na boca do estômago do Estado Democrático de Direito. A decisão abalou os alicerces do mundo jurídico, principalmente, porque relativiza de forma muito perigosa as garantias fundamentais individuais. A decisão, grosso modo, permite que haja execução provisória da pena em flagrante descompasso e ao arrepio do que determina a Constituição da República”, disse ela acrescentando que as leis deveriam pôr o cidadão em primeiro lugar já que “todos nós, sem exceção, estamos sujeitos a responder a algum processo.”
Ainda conforme Célia, fazendo referência ao professor Salo de Carvalho, sobre o princípio da presunção de inocência, o art. 5º, inciso LVII – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;” passará a ser escrito como: “ninguém será considerado culpado até decisão de 2º grau”.
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