A psicóloga Dalva Brüst é pós-graduada em clínica comportamental e em sexologia clínica e fez cursos de extensão em psicofisiologia, psicopatias, eletroterapia e dependência química. A falência da saúde pública, física e mental, em se tratando de uma profissional atuante nestas áreas, há 34 anos, é uma questão para a qual Dalva não aceita justificativas. Em sua avaliação, não existe atendimento decente em 90% dos centros médicos, sendo que para crianças e adolescentes, o atendimento é ainda mais precário. “Deficientes mentais nestes segmentos etários dependem da assistência filantrópica para receberem o mínimo do atendimento. Os que dependem de internamento são "despachados" para fora da cidade, vão parar em hospícios de outros municípios fora do acesso de seus familiares. A dor é dupla: primeiro por enfrentarem a doença mental na adolescência; segundo pela inacessibilidade dos familiares”, alega. A recente publicação de um estudo em uma revista científica americana sobre crianças com depressão levou Dalva Brüst a nos conceder a seguinte entrevista.
A VOZ DA SERRA - A depressão infantil vem sendo considerada por especialistas como o mal do século. Como vê essa perspectiva?
Dalva Brust - Com preocupação. Realmente, a depressão de maneira geral é a doença que mais tem crescido no mundo todo, nos últimos anos, fora naturalmente as doenças epidêmicas.
É difícil identificar a doença nas crianças?
Não é difícil, mas como pode ser mascarada por diversos fatores, e muitas pessoas tem o hábito de dizer, quando se trata de criança, que “quando crescer passa”, o resultado é que muitas vezes a depressão se agrava exatamente porque não é devidamente abordada.
Existe consenso entre psiquiatras e psicólogos sobre o tema?
Na maioria das vezes sim, depende mais do profissional, seu conhecimento e sua flexibilidade de lidar com a abordagem multidisciplinar do que com as teorias em si.
Como devem reagir pais e educadores quando confrontados com esta possibilidade?
Entender que quanto mais cedo aparecer os sintomas, mais grave pode ser. Portanto nada de negligenciar. Outro detalhe é que não se deve olhar para a criança como se fosse um pobre coitado que vai ser dependente a vida inteira, que tem que ser mimado, e outros díspares da educação melancólica, nem jogar a culpa em alguém da família. Toda depressão deve ser investigada para ver as origens e o tratamento indicado. Nenhum depressivo deve ser hiperprotegido, carregado no colo, isso aumenta a autopercepção como um coitado insuficiente para gerir a própria vida facilitando comportamentos de chantagem emocional.
A literatura médica registra que em todo o mundo, 1% das crianças com até 5 anos sofre com a doença. E que essa incidência aumenta progressivamente de acordo com a faixa etária, chegando aos 5% entre pré-adolescentes de 9 a 14 anos. Temos alguma informação à respeito, no Brasil?
O Brasil, nas pesquisas se coloca em estatísticas de igual correlação. Mas, o nosso país não é um só, culturalmente falando, são vários Brasis dentro de um, onde as diferenças e divergências culturais e sociais são muito amplas o que aumenta a incidência numa região e diminui na outra. Os diagnósticos também divergem muito de uma região para outra e entre classes sociais também.
Até que ponto a doença pode afetar o desenvolvimento cerebral de meninos e meninas? Há diferença entre um gênero e outro?
Alguns tipos de depressão não têm diferença entre sexo, outras sim. Até pouco tempo havia a crença de que as depressões eram uma característica feminina, ligada a presença de útero, e outras loucuras literárias que fizeram com que os profissionais reforçassem o preconceito social de que é “frescura de mulher”. Isso fez com que vários homens escondessem suas depressões principalmente no alcoolismo, outros surpreendiam a família com suicídios, outros transformavam o trato familiar numa agressão constante e outros abandonavam o convívio social para não passar pelas brincadeiras grosseiras por parte de outros homens. As depressões podem afetar o desenvolvimento cerebral, motor e a cognição, as percepções afetivas, a capacidade de interagir, de fazer previsão de consequência, de autossuficiência e distorcer as tentativas de aproximação dos colegas passando a sentir-se perseguido e ridicularizado.
A depressão pode interferir na sexualidade desses jovens?
Muito. A sexualidade é uma expressão de relacionamento e busca pelo prazer e aceitação social que está sujeita a distorções profundas quando o jovem está inserido em um estágio depressivo. A sexualidade é um conceito amplo que passa pela identidade, pelo papel social, pela escolha da atividade sexual, onde fatores familiares, sociais, experiências precoces ou traumáticas, vão provocar o contorno desta expressão podendo manifestar-se desde a negação completa do prazer até ao comportamento compulsivo, passando por dificuldades de desempenho até ao prazer associado ao sadomasoquismo.
O uso exacerbado da moderna tecnologia de comunicação e o consequente isolamento da criança também pode ser um fator agravante para o surgimento da doença?
Isso é muito grave. A tecnologia trouxe um inegável desenvolvimento em todas as áreas profissionais e na comunicação, mas, em paralelo, foi um grande reforçador para três fatores de alto risco na infância: primeiro, como não existe mais espaço nem segurança para as brincadeiras de rua, a telinha se mostrou uma boa opção lúdica no confinamento social dos jovens; segundo, a mídia reforça cada vez mais a imagem da criança distorcida numa sensualidade que é interessante para o adulto que gosta de se relacionar com jovens, mas precisa de uma “permissão moral” para isso. A telinha traz este mundo de apelo sensual precoce incentivando a inserção do adolescente e da criança que, mesmo nas festas familiares, são incentivadas pelos pais a mostrarem o jogo dos quadris no ritmo de músicas de letras apelativas à sexualidade de forma abusiva e desrespeitosa. E assim se tornam objetos de desejos, que inadequadamente promovem a autossugestão de competência sobre a sedução, mas, acabam como instrumento de satisfação de adultos inescrupulosos; por fim, a mídia é uma página em branco que aceita o que nela for colocado mas, muitos usuários acreditam que tudo que está na internet é a verdade absoluta. Aí, como tem a capacidade de, sem sair do lugar, travar diálogos e trocar informações com diversas pessoas ao mesmo tempo e buscar exatamente aquilo que seduz por curiosidade, parece obsoleto a conversa entre amigos num recreio escolar, por exemplo.
Sobre a última questão da entrevista Dalva Brüst achou pertinente se estender um pouco mais sobre o tema. Confira:
“É comum observarmos rodinhas de cinco jovens, aparentemente batendo papo entre si, mas que, na verdade estão todos ligados a terceiros pelo Facebook ou WhatsApp. Comum também que estejam compartilhando vídeos ou informação com quem esteja do outro lado da telinha. Quer dizer, eles só estão fisicamente próximos um do outro, porque cada um ali, na verdade, está mais fortemente ligado a alguém ausente ou até a um desconhecido, através da telinha.
Outros, nem em pequenos grupos de mudos se colocam: estão literalmente ausentes do convívio escolar mínimo, sentados, distantes, dialogando apenas com a internet. Não nego a importância dessa ferramenta para a informação, nas pesquisas, para a comunicação professor-aluno, para alguns tipos de raciocínio, mas, por exemplo, o hábito do copiar-colar desestimula a leitura, impede o exercício da interpretação, podendo levar à alienação. A construção do raciocínio, da previsão de consequência, da formação de valores e outros importantes fatores na edificação de um cidadão passam necessariamente pela importância de entender a sequência da história com a construção de conceitos de sua própria interpretação.
Temos hoje, algumas manifestações nas ruas sem a menor consistência filosófica, convocadas pelas redes sociais. As pessoas se juntam, gritam, quebram, acusam, sem sequer entender o básico que é o respeito ao bem público. De onde veio o convite, quem mandou? Não importa. Ele quer é sentir-se parte do chamado, para o quê não interessa, vai gritar e pronto.
Evidentemente que a alienação social e o acesso a apelos frustrantes geram uma instabilidade que é um campo fértil para a depressão. O aliciamento dos jovens por diversos grupos sociais, religiosos, de fanáticos, enfim, o depressivo tende a aceitar. Assim como aceita do seu mentor, como verdade absoluta, que as drogas trazem alívio, que o radicalismo é sinal de força, que a fé é mais importante que a família... a base desta sedução é na verdade processos depressivos reforçados pelo isolamento.
E os pais perdem espaço porque pra eles também é melhor o filho que fica no quarto sem perturbar fingindo que estuda enquanto ele cansado do trabalho desfruta da “paz” a que tem direito no lar que ele sustenta com dinheiro, mas onde falta o verdadeiro laço de compromisso paterno e materno.”
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