“Nenhum depressivo deve ser carregado no colo”

A psicóloga Dalva Brüst aborda a depressão em crianças e adolescentes nesta entrevista exclusiva para A VOZ DA SERRA
segunda-feira, 18 de janeiro de 2016
por Ana Borges
(Foto: Arquivo pessoal)
(Foto: Arquivo pessoal)

A psicóloga Dalva Brüst é pós-graduada em‭ ‬clínica‭ ‬comportamental e em‭ ‬sexologia‭ ‬clínica e fez‭ ‬cursos de extensão em psicofisiologia,‭ ‬psicopatias,‭ ‬eletroterapia e dependência química.‭ ‬A falência da saúde pública,‭ ‬física e mental,‭ ‬em se tratando de uma profissional atuante nestas áreas,‭ ‬há‭ ‬34‭ ‬anos,‭ ‬é uma questão para a qual Dalva não aceita justificativas.‭ ‬Em sua avaliação,‭ ‬não existe atendimento decente em‭ ‬90%‭ ‬dos centros médicos,‭ ‬sendo que para crianças e adolescentes,‭ ‬o atendimento é ainda mais precário.‭ “‬Deficientes mentais nestes segmentos etários dependem da assistência filantrópica para receberem o mínimo do atendimento.‭ ‬Os que dependem de internamento são‭ "‬despachados‭" ‬para fora da cidade,‭ ‬vão parar em hospícios de outros municípios fora do acesso de seus familiares.‭ ‬A dor é dupla:‭ ‬primeiro por enfrentarem a doença mental na adolescência‭;‬ segundo pela inacessibilidade dos familiares‭”‬,‭ ‬alega.‭ ‬A recente publicação de um estudo em‭ ‬uma‭ ‬revista científica americana sobre crianças com depressão levou Dalva Brüst a nos conceder a seguinte entrevista.‭   

A VOZ DA SERRA‭ ‬-‭ ‬A depressão infantil vem sendo‭ ‬considerada por especialistas como o mal do século.‭ ‬Como vê essa perspectiva‭?
Dalva Brust‭ ‬-‭ ‬Com preocupação.‭ ‬Realmente,‭ ‬a depressão de maneira geral é a doença que mais tem crescido no mundo todo,‭ ‬nos últimos anos,‭ ‬fora naturalmente as doenças epidêmicas.

É difícil identificar a doença nas crianças‭?
Não é difícil,‭ ‬mas como pode ser mascarada por diversos fatores,‭ ‬e muitas pessoas tem o hábito de dizer,‭ ‬quando se trata de criança,‭ ‬que‭ “‬quando crescer passa‭”‬,‭ ‬o resultado é que muitas vezes a depressão se agrava exatamente porque não é devidamente abordada.

Existe consenso entre psiquiatras e psicólogos sobre o tema‭?
Na maioria das vezes sim,‭ ‬depende mais do profissional,‭ ‬seu conhecimento e sua flexibilidade de lidar com a abordagem multidisciplinar do que com as teorias em si.

Como devem reagir pais e educadores quando confrontados com esta possibilidade‭?
Entender que quanto mais cedo aparecer‭ ‬os sintomas,‭ ‬mais grave pode ser.‭ ‬Portanto nada de negligenciar.‭ ‬Outro detalhe é que não‭ ‬se‭ ‬deve olhar para a criança como se fosse um pobre coitado que vai ser dependente a vida inteira,‭ ‬que tem que ser mimado,‭ ‬e outros díspares da educação melancólica,‭ ‬nem jogar a culpa em alguém da família.‭ ‬Toda depressão deve ser investigada para ver as origens e o tratamento indicado.‭ ‬Nenhum depressivo deve ser hiperprotegido,‭ ‬carregado no colo,‭ ‬isso aumenta a autopercepção como um coitado insuficiente para gerir a própria vida facilitando comportamentos de chantagem emocional.

A literatura médica registra que‭ ‬em todo o mundo,‭ ‬1%‭ ‬das crianças com até‭ ‬5‭ ‬anos sofre com a doença.‭ ‬E que essa incidência aumenta progressivamente de acordo com a faixa etária,‭ ‬chegando aos‭ ‬5%‭ ‬entre pré-adolescentes de‭ ‬9‭ ‬a‭ ‬14‭ ‬anos.‭ ‬Temos alguma informação à respeito,‭ ‬no Brasil‭?
O Brasil,‭ ‬nas pesquisas se coloca em estatísticas de igual correlação.‭ ‬Mas,‭ ‬o nosso país não é um só,‭ ‬culturalmente falando,‭ ‬são vários Brasis dentro de um,‭ ‬onde as diferenças e divergências culturais e sociais são muito amplas o que aumenta a incidência numa região e diminui na outra.‭ ‬Os diagnósticos também divergem muito de uma região para outra e entre classes sociais também.

Até que ponto a doença pode afetar o desenvolvimento cerebral de meninos e meninas‭? ‬Há diferença entre um gênero e outro‭?
Alguns tipos de depressão não têm diferença entre sexo,‭ ‬outras sim.‭ ‬Até pouco tempo havia a crença de que as depressões eram uma característica feminina,‭ ‬ligada a presença de útero,‭ ‬e outras loucuras literárias que fizeram com que os profissionais reforçassem o preconceito social de que é‭ “‬frescura de mulher‭”‬.‭ ‬Isso fez com que vários homens escondessem suas depressões principalmente no alcoolismo,‭ ‬outros surpreendiam a família com suicídios,‭ ‬outros transformavam o trato familiar numa agressão constante e outros abandonavam o convívio social‭ ‬para não passar pelas brincadeiras grosseiras por parte de outros homens.‭ ‬As depressões podem afetar o desenvolvimento cerebral,‭ ‬motor e a cognição,‭ ‬as percepções afetivas,‭ ‬a capacidade de interagir,‭ ‬de fazer previsão de consequência,‭ ‬de autossuficiência e‭ ‬distorcer as tentativas de aproximação dos colegas passando a sentir-se perseguido e ridicularizado.

A depressão pode interferir na sexualidade desses jovens‭?
Muito.‭ ‬A sexualidade é uma expressão de relacionamento e busca pelo prazer e aceitação social que está sujeita a distorções profundas quando o jovem está inserido em um estágio depressivo.‭ ‬A sexualidade é um conceito amplo que passa pela identidade,‭ ‬pelo papel social,‭ ‬pela escolha da atividade sexual,‭ ‬onde fatores familiares,‭ ‬sociais,‭ ‬experiências precoces ou traumáticas,‭ ‬vão provocar o contorno desta expressão podendo manifestar-se desde a negação completa do prazer até ao comportamento compulsivo,‭ ‬passando por dificuldades de desempenho até ao prazer associado ao sadomasoquismo.

O uso exacerbado da moderna tecnologia de comunicação e o consequente isolamento da criança também pode ser um fator agravante para o surgimento da doença‭?
Isso é muito grave.‭ ‬A tecnologia trouxe um inegável desenvolvimento em todas as áreas profissionais e na comunicação,‭ ‬mas,‭ ‬em paralelo,‭ ‬foi um grande reforçador para três fatores de alto risco na infância:‭ ‬primeiro,‭ ‬como não existe mais espaço nem segurança para as brincadeiras de rua,‭ ‬a telinha se mostrou uma boa opção lúdica no confinamento social dos jovens‭; ‬segundo,‭ ‬a‭ ‬mídia reforça cada vez mais a imagem da criança distorcida numa sensualidade que é interessante para o adulto que gosta de se relacionar com jovens,‭ ‬mas precisa de uma‭ “‬permissão moral‭”‬ para isso.‭ ‬A telinha traz este mundo de apelo sensual precoce incentivando a inserção do adolescente e da criança que,‭ ‬mesmo nas festas familiares,‭ ‬são incentivadas pelos pais a mostrarem o jogo dos quadris no ritmo de músicas de letras apelativas à sexualidade de forma abusiva e desrespeitosa.‭ ‬E assim se tornam objetos de‭ ‬desejos,‭ ‬que inadequadamente promovem a autossugestão de competência sobre a sedução,‭ ‬mas,‭ ‬acabam como instrumento de satisfação de adultos inescrupulosos‭; ‬por fim,‭ ‬a mídia é uma página em branco que aceita o que nela for colocado mas,‭ ‬muitos usuários acreditam que tudo que está na internet é a verdade absoluta.‭ ‬Aí,‭ ‬como tem a capacidade de,‭ ‬sem sair do lugar,‭ ‬travar diálogos e trocar informações com diversas pessoas ao mesmo tempo e buscar exatamente aquilo que seduz por curiosidade,‭ ‬parece obsoleto a conversa entre amigos num recreio escolar,‭ ‬por exemplo.‭

Sobre a última questão da entrevista Dalva Brüst achou pertinente se estender um pouco mais sobre o tema.‭ ‬Confira:

‭“‬É comum observarmos rodinhas de cinco jovens,‭ ‬aparentemente batendo papo entre‭ ‬si,‭ ‬mas que,‭ ‬na verdade estão todos ligados a terceiros pelo Facebook ou WhatsApp.‭ ‬Comum também que estejam compartilhando vídeos ou informação com quem esteja do outro lado da telinha.‭ ‬Quer dizer,‭ ‬eles só estão fisicamente próximos um do outro,‭ ‬porque cada um ali,‭ ‬na verdade,‭ ‬está mais fortemente ligado a alguém ausente ou até a um desconhecido,‭ ‬através da telinha.

Outros,‭ ‬nem em pequenos grupos de mudos se colocam:‭ ‬estão literalmente ausentes do convívio escolar mínimo,‭ ‬sentados,‭ ‬distantes,‭ ‬dialogando apenas com a internet.‭ ‬Não nego a importância dessa ferramenta para a informação,‭ ‬nas pesquisas,‭ ‬para a comunicação professor-aluno,‭ ‬para alguns tipos de raciocínio,‭ ‬mas,‭ ‬por exemplo,‭ ‬o hábito do copiar-colar desestimula a leitura,‭ ‬impede o exercício da interpretação,‭ ‬podendo levar à alienação.‭ ‬A construção do raciocínio,‭ ‬da previsão de consequência,‭ ‬da formação de valores e outros importantes fatores na edificação de um cidadão passam necessariamente pela importância de entender a sequência da história com‭ ‬a construção de conceitos de sua própria interpretação.

Temos hoje,‭ ‬algumas manifestações nas ruas sem a menor consistência filosófica,‭ ‬convocadas pelas redes sociais.‭ ‬As pessoas se juntam,‭ ‬gritam,‭ ‬quebram,‭ ‬acusam,‭ ‬sem sequer entender o básico que é o respeito ao bem público.‭ ‬De onde veio o convite,‭ ‬quem mandou‭? ‬Não importa.‭ ‬Ele quer é sentir-se parte do chamado,‭ ‬para o quê não interessa,‭ ‬vai gritar e pronto.‭

Evidentemente que a alienação social e o acesso a apelos frustrantes geram uma instabilidade que‭ ‬é um campo fértil para a depressão.‭ ‬O aliciamento dos jovens por diversos grupos sociais,‭ ‬religiosos,‭ ‬de fanáticos,‭ ‬enfim,‭ ‬o depressivo tende a aceitar.‭ ‬Assim como aceita do seu mentor,‭ ‬como verdade absoluta,‭ ‬que as drogas trazem alívio,‭ ‬que o radicalismo‭ ‬é sinal de força,‭ ‬que a fé é mais importante que a família...‭ ‬a base desta sedução é na verdade processos depressivos reforçados pelo isolamento.

E os pais perdem espaço porque pra eles também é melhor o filho que fica no quarto sem perturbar fingindo que estuda enquanto ele cansado do trabalho desfruta da‭ “‬paz‭”‬ a que tem direito no lar que ele sustenta com dinheiro,‭ ‬mas onde falta o verdadeiro laço de compromisso paterno e materno.‭”

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TAGS: depressão | criança e adolescente
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