Criada em 1951 mas inativa desde 2003, a Fábrica de Bebidas Caledônia, que produzia guaraná e licores em Nova Friburgo, se viu envolvida numa polêmica que vem mexendo com as mentes e corações de várias gerações de friburguenses. As manifestações vêm de todos os lados, grande parte motivada pela notícia de que o guaraná seria relançado com a fórmula original. Saudosistas de várias idades curtiram a novidade nas redes sociais, postada por uma empresa anunciando a boa nova: o retorno do guaraná Caledônia, depois de 12 anos de ausência. No entanto, o representante legal da fábrica negou categoricamente tal informação. Para esclarecer a questão, Luiz Paulo Moreira da Costa Filho postou a seguinte declaração na página do referido guaraná que mantém no Facebook:
“A antiga Fábrica de Bebidas Caledônia, ora inativa de fato, em razão das crises econômicas que as empresas brasileiras vêm amargando desde a década de 80, e que se encontra com várias pendências jurídicas tanto na esfera administrativa como na esfera judicial, não negociou a verdadeira fórmula do Guaraná Caledônia. Esta continua na origem, junto à família, que preferiu aguardar resolução das pendências jurídicas para decidir o destino de sua fórmula original, já que possível acordo para este fim não foi possível. A mesma sempre pertenceu ao casal Luiz Paulo Moreira da Costa (falecido) e esposa, a agora viúva Regina H.C. da Costa, dos quais sou inventariante e procurador. Tenho plena convicção de que a afirmativa sobre o retorno do Guaraná Caledônia não passa de mera especulação de uso da marca, não sendo possível ser a fórmula original, como já afirmado por mim, que repito e ratifico, não foi negociada para qualquer fim.” (ass. Luiz Paulo Moreira da Costa Filho, inventariante e procurador).
Família desmente suposto retorno do guaraná com a fórmula original
Luiz Paulo é um dos quatro filhos do casal que fundou a Fábrica de Bebidas Caledônia, em 1951. Na condição de representante legal e porta-voz da família, mostrou-se indignado com a divulgação, na semana passada, de que “o autêntico guaraná Caledônia” estaria sendo relançado. Segundo propaganda veiculada também no Facebook, a bebida estaria sendo produzida por uma nova fábrica, também da região, cujo dono teria feito pesquisas durante dois anos para conseguir a antiga fórmula do guaraná. E ainda contato com antigos fornecedores da matéria-prima original, com a finalidade de garantir o mesmo sabor e qualidade.
Tal afirmativa sobre o retorno do guaraná, segundo Luiz Paulo, “não passa de mera especulação, ou mesmo má-fé de uso da marca, não sendo possível ser a fórmula exata e original. Reitero que, ainda que o tal novo fabricante tenha conseguido com os nossos antigos fornecedores a matéria-prima (ingredientes), a forma como eles são manipulados, com suas dosagens e misturas, é absolutamente desconhecida de quem quer que seja. Esse é um segredo que apenas a nossa mãe, a dona Regina, detém. Portanto, a fórmula está guardada a sete chaves e até hoje não foi revelada muito menos negociada para quem quer que seja, para qualquer fim”, destacou Luiz Paulo.
As publicações sobre o retorno, em forma de publicidade nas redes sociais desde o início de dezembro, despertaram a curiosidade dos consumidores, principalmente aqueles que conheceram o guaraná, e com ele se deliciaram desde a infância até a vida adulta. Várias gerações ainda guardam na memória o sabor e aroma da bebida. Por isso, a notícia causou um tremendo rebuliço em centenas desses fãs. Que, por sua vez, ao conferirem o sabor, foram unânimes em afirmar que não era a mesma coisa, estava diferente.
A empresa foi inaugurada em 1951, pelo seu Luiz (que teria completado 93 anos no último dia 13), juntamente com um sócio, Mário Bini, que participou da empresa por pouco tempo devido a problemas de saúde. Grande parte das receitas seu Luiz herdou da mãe, que fazia licores.
O ‘relançamento’ do Guaraná Caledônia
A negociação da fórmula e marca pertencentes à Fábrica de Bebidas Caledônia começou em 2014, quando Luiz Paulo foi procurado por um rapaz que lhe apresentou uma garrafa de guaraná — que ele estava comercializando em outro estado — dizendo: Esse é o seu guaraná. “Experimentei, mesmo desconfiando que aquela fórmula não poderia ser a original pelos motivos que já listei. O que confirmei. Ele insistiu, reiterando que era, inclusive alegando que ‘a química responsável em sua empresa confirmou que era o seu guaraná’, segundo suas próprias palavras”.
Continuando sua versão, Luiz Paulo ressalta que, ao passar essa informação, o rapaz implicou a química na farsa que se anunciava. “Afinal, a nossa funcionária tinha compromisso com o sigilo profissional. Na mesma hora liguei pra ela, que me disse que o rapaz tinha sido seu aluno num curso no Rio de Janeiro e que durante uma aula teria citado o guaraná Caledônia, a título de exemplo de uma questão. Então, a pedido do rapaz, ela teria lhe dado algumas orientações. E que ao final do curso apresentou um trabalho baseado no nosso guaraná. Essa história começou assim”, contou.
Segundo ele, até o nome da empresa pode ser facilmente confundida com a original: Fabricação e Comércio de Bebidas Caledônia Ltda. “A nossa é Fábrica de Bebidas Caledônia, uma empresa familiar, que meus pais trabalharam duro para mantê-la funcionando por mais de 50 anos. A crise econômica dos anos 80 nos pegou em cheio, e com muito sacrifício o meu pai conseguiu contornar os problemas, inclusive uma sabotagem nos nossos produtos”.
E relembra uma questão pessoal que marcou toda a família: “É muito duro que nesta altura da vida, minha mãe, aos 84 anos, viúva, passe pela aflição de ter que brigar na Justiça para proteger um produto criado por ela e meu pai, há mais de 60 anos. Inclusive, para dispensar os funcionários em 2003, para cumprir as leis trabalhistas, meus pais venderam a própria casa. Juntos, nós comparecemos a 22 reuniões na Justiça do Trabalho”, conta.
Com o fechamento da empresa há 12 anos, a família ficou com uma grande dívida, com o Município, o Estado e a União. “Depois de algum tempo, com muita dificuldade começamos a negociar as dívidas fiscais. Já quitamos a maior parte, e continuaremos nesse processo até que tenhamos zerado tudo. Em meio a tudo isso, começou um novo capítulo dessa novela, protagonizada pelo empresário que queria relançar o ‘verdadeiro guaraná Caledônia’”,
O registro da marca durante negociação
Luiz Paulo conta que as negociações estavam em curso quando soube que a marca já não pertencia mais à família. “Como eu moro no Rio, fazíamos reuniões lá e aqui também, às vezes até por e-mail, e assim estávamos, por quase um ano, eu e ele, ambos com as nossas respectivas advogadas, acertando os detalhes, quase fechando um acordo. Até que, sem mais nem menos, ele deixou de fazer contato. Depois fiquei sabendo que ele havia dado entrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) pedindo o registro da marca. Ele sabia que a marca estava disponível, que havíamos perdido o prazo de dez anos para renovar, em 2014. Nós dissemos isso pra ele durante a negociação. E ele se aproveitou da situação para registrar. Desde então, não tivemos mais notícia dele, ao longo de 2015. Aí, fico sabendo que o nosso guaraná foi ‘relançado’ no mercado como sendo o verdadeiro guaraná Caledônia”, afirma.
Para encerrar, Luiz Paulo fala de sua responsabilidade como inventariante e procurador da família: “Todo mês faço relatório para as minhas irmãs, para que não paire a menor dúvida sobre o andamento de tudo que está sendo acordado para resolver de vez a questão da herança que cabe a cada um de nós com a venda da fábrica, nosso patrimônio. Estou nessa função há 15 anos, e tenho obrigações morais e éticas. E agora, com essa atitude desse rapaz, corro o risco de sofrer processos do Estado, por conta desse novo registro. Vou entrar na Justiça”.
A VOZ DA SERRA tentou contato com os fabricantes do guaraná que ora está sendo comercializado com o nome de Guaraná Caledônia, mas até o fechamento desta edição não obtivemos resposta.
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