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Mobilidade urbana: o que a história pode dizer?
No Brasil, até a década de 40 do século vinte, a população rural ultrapassava a urbana. Logo, antes mesmo de completarmos cem anos de nossas cidades o problema da mobilidade urbana surge e nos parece de difícil solução. A questão da mobilidade é um desafio às políticas ambientais e urbanas em todas as grandes cidades do país. O aumento expressivo de automóveis e motocicletas tornou as cidades insustentáveis com prejuízo da qualidade de vida. A necessidade de mudanças acarretou a Lei Federal nº 12.587 de 2012, que trata da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Voltando ao nosso passado, bairros como Cônego, Conselheiro Paulino e Amparo eram áreas agrícolas e autônomas, com vida própria até aproximadamente meados do século 20. Olaria, bairro operário do município, iniciava seu processo de urbanização com o calçamento da rua principal, luz elétrica e água encanada. O bairro do Cônego era um arraial, assim denominado na imprensa, com inúmeras chácaras com produção agrícola, plantações de flores, notadamente cravos e rosas. O bairro de Conselheiro Paulino era igualmente um distrito agrícola com variados cultivos e igualmente com o plantio de flores como rosa, cravo, palma e margarida. Amparo era uma região de muitos produtores rurais que exportavam sua variada lavoura para o Rio de Janeiro. Era o celeiro do estado. Nessa época, o acesso a Amparo se fazia pela subida das Braunes.
Os meios de transporte eram a bicicleta, o trem, a charrete, o cavalo e o automóvel, para poucos. Em 1950, circulavam por Nova Friburgo aproximadamente 550 automóveis. Na realidade, era a bicicleta o principal meio de transporte de todas as idades, sexo e condição social. Os bairros eram completamente isolados. Conselheiro Paulino tinha a vantagem da linha do trem que a ligava ao centro da cidade. Em meados daquele século a família Spinelli investe numa linha de ônibus: a Viação Friburguense. Havia sete ônibus, cinco fazendo as linhas urbanas e dois as linhas intermunicipais. Como dito antes, as bicicletas reinavam pela cidade. A vida cotidiana na periferia era autônoma. A sociabilidade era limitada aos bairros de origem que possuíam cinema e time de futebol próprio. O centro da cidade já abrigou o Cinema São João, Cinema Éden, Ideal Cinema, Cine Nacional, Cinema Odeon, Cinema Império, o cineteatro Dona Eugênia, o Cinema Glória, o Cine Eldorado, o Cine Marabá, entre outros. Cumpre esclarecer que não foram todos esses cinemas contemporâneos, uns surgimento com o desaparecimento do outro. Olaria tinha o Cine São Clemente, o Cônego, o Cine Sant’Anna e Amparo o Cine Theatro Almeida. Os times de bairro eram os seguintes: o Esporte Clube de Santa Luiza, do Cônego; o Esporte Clube São Pedro, de Duas Pedras; o Amparo Futebol Clube; o Futebol Clube Conselheiro Paulino; o Serrano Futebol Clube, de Olaria; o Esporte Clube Vilage e o Esporte Clube Saudade.
Nos parece que na década de 70 daquele século, quando a companhia de transporte Faol estende a sua capilaridade pelos bairros da cidade, aumentando significativamente o número de ônibus, os bairros saem do isolamento e a população interage mais amiúde. O futebol entra em declínio, os cinemas de bairro desaparecem e o centro da cidade passa a ser o único espaço de sociabilidade. Tudo e todos convergem para o núcleo urbano. Paralelamente, Nova Friburgo recebe frequentemente uma imigração maciça do centro-norte fluminense. Dois fatores concorrem para essa migração: o declínio econômico dessa região e o estabelecimento de indústrias em Nova Friburgo. O centro-norte fluminense vivera seu tempo de prosperidade durante o Império, com o plantio do café. Alguns municípios mantiveram sua produção até a crise de 1929, quando então o declínio econômico se generalizou. Há casos de sucesso com o gado leiteiro, mas são poucos e de qualquer forma essa atividade não demanda muita mão de obra. Logo, a transumância para Nova Friburgo era inexorável, mormente pelos empregos oferecidos pelas indústrias têxteis e metalúrgicas. Por outro lado, seu clima agradável sempre atraiu cariocas e fluminenses que fixam domicílio na cidade e daí os componentes que somados explicam o extraordinário aumento populacional de Nova Friburgo. O crescimento desordenado do município é patente. O “bota-abaixo” de prédios históricos substituídos por prédios com uma arquitetura medíocre e a falta de planejamento na ocupação periférica enfeou a cidade. Os engarrafamentos frequentes são o grande personagem dos últimos anos. Apesar de bairros como Conselheiro Paulino e Olaria possuírem um excelente comércio, bancos, enfim bons serviços, a população se desloca frequentemente ao centro da cidade, sendo impossível um retrocesso ao bairrismo do passado. Fica nesse artigo uma modesta contribuição histórica para análise daqueles que irão responder pelo problema da mobilidade urbana.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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