Em busca de um lar: conheça a realidade das crianças na fila para adoção

Procura por perfis específicos diminui chance de milhares de crianças e adolescentes brasileiros
segunda-feira, 19 de outubro de 2015
por Karine Knust
Margarida e Ricardo comandam hoje uma bonita e numerosa família (Foto: Arquivo pessoal)
Margarida e Ricardo comandam hoje uma bonita e numerosa família (Foto: Arquivo pessoal)

Oito anos, seis anos e sete meses. Essas eram as idades de Franciléia, Vanderleia e Larissa quando Margarida e Ricardo as receberam. A matriarca da família diz que foi o acaso que promoveu o encontro, mas, sem sombra de dúvidas, foi o amor que as uniu. As meninas estavam passando fome em uma casa muito simples na localidade de Colonial 61, próximo à Vargem Alta. Margarida ficou sabendo da situação e resolveu ajudar, levando uma cesta básica para a família. Mas os mantimentos não foram o único alimento que ela ofertou; aliás, este foi o menor deles.

Quando chegou ao local, Margarida se deparou com um cenário ainda mais forte do que imaginava. Eram sete irmãos. A mãe deles não aparecia há um mês. Eles sofriam com a fome e a sujeira. A pequena Vanderleia, de oito anos, estava internada no hospital com diagnóstico de tuberculose. Margarida então pediu ao pai das crianças para cuidar da frágil Larissa, de apenas sete meses, por uma semana. Ao voltar ao local para dar notícias, o pai das crianças não estava mais lá. Sem pensar duas vezes, ela levou os cinco menores de uma só vez para casa.

Margarida e Ricardo se responsabilizaram pelas três meninas e as outras duas crianças ficaram com familiares do casal. A partir daquele momento, a família passava de quatro para sete filhos. Vanderleia, que estava internada com tuberculose, saiu do hospital direto para os braços de Margarida — o Conselho Tutelar não permitiu que ela voltasse à casa onde nasceu. Com tamanha dedicação e cuidado, a guarda permanente não demorou muito a chegar. Os pais abriram mão da tutela das três e o juiz autorizou a adoção.

 Hoje Larissa, Vanderleia e Franciléia têm, respectivamente, 15, 20 e 22 e são as caçulas e xodós da família Carriello. “Elas têm um carinho muito grande por nós. São muito dedicadas, amorosas, obedientes, nunca nos deram trabalho. Elas têm consciência de que são filhas do coração, mas sabem que o amor tanto por elas quanto pelos demais (Erica, Sabrina, Rogério e Ariane) é igualmente enorme. Não existe diferença”, conta Margarida.

A realidade brasileira

Diferente do caso dessas três friburguenses, infelizmente, das crianças que estão hoje para adoção, a maioria pode chegar a maioridade sem ter uma família. De acordo com um levantamento do Cadastro Nacional de Adotantes, o Brasil tem, atualmente, 31.573 pessoas que pretendem ser pais ou mães adotivos e 6.141 crianças e adolescentes na fila para adoção. A questão então é: com tantas pessoas para adotar, por que ainda existem crianças sedentas por um lar? Se o cálculo fosse simples, o problema seria solucionado rapidamente, mas lamentavelmente a realidade não é essa.

De acordo com a psicóloga jurídica Verônica Cavalcante Pessoa de Melo, a busca por um perfil ideal é o maior empecilho para adoção: “Um dos motivos para a demora no processo de adoção é porque há um espaço entre aquilo que as pessoas desejam e esperam como filho e as crianças reais que aguardam para serem os filhos de alguém. Os pretendentes a adoção costumam ter suas demandas e idealizações, como cor da pele, idade. Se houver amor, pouco importa a cor da pele, o sexo ou a idade. A diferença é algo natural e importante, mas é preciso parar de fazer isso de forma hierárquica. Existem muitas crianças e adolescentes disponíveis, mas não são acolhidas porque não se encaixam na maioria dos perfis”, afirma Verônica.

Ainda segundo o levantamento, 88,3% das pessoas que esperam pela chance de adotar optam por crianças entre 0 a 5 anos. No entanto, apenas 16,1% delas estão neste perfil. Percentual que pode diminuir ainda mais se levarmos em conta as demais exigências.

Apesar de a adoção ser considerada um gesto de amor, Verônica alerta para outra situação bastante comum e que precisa ser evitada: “Muitos casos de adoção acontecem depois de um luto, seja pela perda de um filho ou a impossibilidade de ter um. Por isso, alguns pretendentes a adoção tendem a depositar nas crianças as suas idealizações. Mas é preciso perceber que a criança também passa por um momento de sofrimento gerado pela rejeição de sua família de origem, sendo assim, ela também tem suas demandas. É importante que o casal que vai adotar tenha essa consciência: assim como idealizam um filho, a criança também idealiza os pais”, explica ela, e ainda acrescenta: “Além disso, é preciso saber distinguir desejo de caridade. O que deve fundamentar uma adoção é única e exclusivamente o desejo de maternidade. Afinal, não é uma tarefa fácil ser pai e mãe de alguém. É um percurso que não finda e tem muitas exigências. E o desejo é o que vai sustentar essa escolha eterna. Se essa não for a intenção do adotante, a adoção pode dar errado”.

Como adotar

Para adotar uma criança é preciso ir à Vara da Infância mais próxima — em Nova Friburgo, ela fica localizada na Avenida Euterpe Friburguense, no Fórum — e se inscrever como candidato. Além de RG e comprovante de residência, outros documentos são necessários para dar continuidade ao processo. A partir disso, é feita uma análise da documentação e são realizadas entrevistas com uma equipe técnica formada por psicólogos e assistentes sociais. Após entrar na fila de adoção, é necessário aguardar uma criança com o perfil desejado.

“Ao adotar, os pais adotivos precisam ajudar a criança a sair da história de abandono para uma história de acolhimento. Deixar a criança falar sobre seu passado é muito importante para que ela se sinta acolhida como um todo”, instrui Verônica.

Visita Saudável

Apadrinhar ou visitar crianças em abrigos podem ser atitudes bem legais, mas é preciso ter cuidado: “As visitações em casas de acolhimento devem ser combinadas com a equipe técnica. Quando uma pessoa diferente chega a um desses lugares, para as crianças que ali estão, esta visita pode ser uma potencial adotante. Elas se aproximam porque estão carentes e isso pode ser pior. Por isso é preciso ter discernimento e procurar fazer eventos que descaracterizem a possibilidade de adoção. A intenção de levar alegria é legal, mas é preciso ser um ato saudável sem que provoque frustração para a criança ou o adolescente”, explica a psicóloga Verônica Cavalcante.

Projeto para apadrinhamento de crianças aguardando adoção é aprovado pela Alerj

A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou em discussão única na última terça-feira, 13, o projeto de lei 579, que cria o programa “Um lar para todos”, voltado para o apadrinhamento de crianças e jovens acolhidos e sob a responsabilidade das unidades da Secretaria Estadual da Criança e do Adolescente, dos Conselhos Tutelares estaduais, assim como de estabelecimentos privados. O objetivo da iniciativa, de autoria dos deputados estaduais Comte Bittencourt (PPS) e Tia Ju (PRB), é garantir o carinho e a convivência em um ambiente familiar nos fins de semana, feriados e datas comemorativas, dentre outras medidas.

De acordo com o projeto de lei, os interessados em apadrinhar crianças ou adolescentes deverão procurar os órgãos competentes e afirmar sua disponibilidade e vontade de exercer o afeto e a solidariedade, bem como possuir recursos financeiros para proporcionar uma melhoria na qualidade de vida do “afilhado”. E ao beneficiário, fica assegurado e garantido o convívio familiar, ainda que parcial, promovido por visitas ao lar do seu “padrinho”, convivência comunitária, acompanhamento escolar, repasses de valores de ética, educação e amor. O projeto de lei segue agora para a sanção do governador Luiz Fernando Pezão.

Foto da galeria
A psicóloga Verônica Cavalcante destaca as muitas dificuldades para a adoção de crianças no Brasil (Foto: Lúcio Cesar Pereira)
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