A Praça

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Diz Fabricio Carpinejar que para o amor, banco de praça já basta e eu concordo plenamente. Amores que não passeiam nas praças não são amores, são apenas conexões mal encaixadas, que se esgarçam com o tempo. Acasos, ânsias, falhas nas nossas Matrix sentimentais. O amor, não. É idealista de nascença e de morrência. Enxerga só o que quer. Come só o que quiser. E anda, passeia (mãos dadas) na praça: casquinha de Mc Donalds, hippie vendendo brinco, cocô de pombo na mochila nova, paciência. Amor é banco de praça.

É mais fácil comparar praça com amor, ainda, se a praça em questão for a Getúlio Vargas ou a Dermeval. Porque, no meu caso, o amor é uma desordem; e a praça, um pós-guerra. Sujeito sem núcleo, predicado sem verbo, predicativo sem sujeito. Amor é só substantivo ali, no canto do dicionário. Um caos de hospital público dentro do peito: assim como estão a Getúlio Vargas e a Dermeval.

Antes frondosa e cheia de vida, se apresentava a Getúlio Vargas. Garbosa, verde e dantesca, a praça. Como eu. Da praça arrancaram os caules galhos folhas cores história. Não sei se exatamente arrancaram algo de mim, por que, no final, eu sempre permaneço inteira, passe o Katrina que for. Mas não sou assim, mais, tão verde.

Da Dermeval, arrancaram os mármores que representavam as Quatro Estações. Figuras gregas romanas sei lá de onde de tempos passados antigas — pichadas e com fones de ouvido, pênis mal desenhados e uma centena de palavrões. Dizem que foram para a restauração. Não sei se cola, porque sempre dizem que haverá restauração: e muitas vezes não há. Tanto no amor quanto na praça. As estátuas sumiram.

Mas apareceram os ainda mais desordenados. Doentes mentais, gente sem pai nem mãe, homem trabalhador que desistiu da beleza da vida, crianças feitas nos becos, enfim, essa gente que insistem em chamar de mendigo termo pejorativo como se a miséria ali já não fosse o bastante. Eu não lembro desses homens nas praças da minha infância. Será mesmo que eles estavam ali? A primeira vez que vi um morador de rua foi no Rio de Janeiro — e me marcou. Como pode gente sentir fome sede medo frio vazio? E ser tão pobre e tão sofrida e tão miserável e tão só? Qualquer semelhança com amor ou falta dele não é mera coincidência. Amor é banco de praça. E tem gente desordenada dormindo ali.

Assim ando eu pelas praças cigarro na mão casquinha do Mc Donalds. As praças cada vez mais feias as pessoas cada vez mais tristes. Ninguém passeia — a não ser os mendigos para desgraça do cartão-postal. Eu também sei falar de política sociedade assuntos gerais culturais fitossanitários mas prefiro falar de amor. Amor banco de praça — sem ninguém sentado ali pra escutar. Por isso, o concreto jogado nas praças. Jogado pela vida, na minha cara, frequentemente. Praça, amor, concretados lentamente. Dando abrigo a essa gente cinza que já não tem mais o que comer.

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Ana Blue

Blue Light

O que dizer dessa pessoa que a gente mal conhece, mas já considera pacas? Ana Blue não tem partido, não tem Tinder, é fã de Janis Joplin, parece intelectual mas tem vocação mesmo é pra comer. E divide a vida dela com você, todo sábado, no Blue Light.

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