O aluno, a tecnologia e a escola

Entrevista exclusiva com Patrícia Gula, coordenadora do Núcleo de Saúde Mental ComVida
domingo, 11 de outubro de 2015
por Ana Borges
O aluno, a tecnologia e a escola
Patrícia Gula é psicóloga clínica, coordenadora do Núcleo de Saúde Mental ComVida (Grupo de Artes Theatro Dª. Eugênia) e psicóloga da Secretaria municipal do Carmo. Formada em psicologia pela Universidade Estácio de Sá, é pós-graduada em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP – Fiocruz. Nesta entrevista, Patrícia aborda a questão dos aparelhos eletrônicos, tema recorrente nos debates promovidos nas mídias, nos lares e nas instituições de ensino.

O acesso ilimitado a uma infinidade de informações e dados exige que nos preocupemos em capacitar o aluno a lidar com esta variedade de informações"
A VOZ DA SERRA - Como os psicólogos veem esse avanço tecnológico dentro das salas de aula?
Patrícia Gula - Um recurso valioso, que ao mesmo tempo representa um grande desafio não somente para o professor, mas para a educação como um todo. O acesso ilimitado a uma infinidade de informações e dados exige que nos preocupemos em capacitar o aluno a lidar com esta variedade de informações, na formação de um pensamento crítico e reflexivo. Um incentivo à criatividade.

Como um professor pode conduzir uma turma de crianças/jovens que dominam técnicas que nós ainda não temos?
Aprendendo junto com seus alunos, criando um ambiente no qual aprender seja algo prazeroso. O professor não precisa saber tudo, precisa querer acompanhar seus alunos neste processo de descoberta e estimular o desejo em saber, em pesquisar, em buscar conhecimento. Cada criança tem uma forma muito própria de apre(e)nder o mundo, por muito tempo a escola exigiu (e ainda exige) do seu aluno que aprendesse de um determinado modo, fato que excluía (e ainda exclui) muitos alunos que não conseguiam se enquadrar neste modelo. É essencial a percepção e o respeito pelas diferenças no processo de aprendizagem e o uso da tecnologia pode representar um grande potencial para diversificar e ampliar os modos de ensino-aprendizagem.

Um educador se sente obrigado a acompanhar o lançamento de tantas novidades no mercado? Essas novas ferramentas contribuem para a aprendizagem? Ajuda a concentrar, ou dispersa, torna o ensino mais atraente?
Certamente contribuem, ampliam as possibilidades. No entanto, não se trata de um caminho dado, mas a ser construído. Na maior parte de nossas escolas o uso do computador em sala de aula ainda não é uma realidade e para o professor também ainda representa um desafio. Como por exemplo, o uso dos celulares, para pesquisa na própria sala de aula. Se por um lado é um recurso que tanto distrai o aluno durante a aula, também pode representar um grande recurso a ser utilizado.

Por conta dessa evolução digital, pode-se afirmar que já está surgindo uma nova forma de se comunicar, com novo vocabulário, outra linguagem?
Não saberia responder, mas a tecnologia nos coloca diante de várias novas perguntas e questionamentos, como por exemplo, o uso e a exposição dos adolescentes na rede virtual.

Está mais fácil ou difícil dar aula, alfabetizar?
Ouço professores comentando o quanto está difícil dar aula. No entanto, não podemos dissociar a escola, quero dizer, a educação do contexto socio-político, ideológico e econômico da sociedade em determinada época. E para apontar apenas uma grande questão em nossa sociedade que se reflete diretamente na educação, temos o processo da medicalização. A doutora Maria Aparecida Affonso Moysés define o termo medicalização como o processo de transformar questões não médicas, eminentemente de origem social e política, em questões médicas, isto é, tentar encontrar no campo médico as causas e soluções para problemas dessa natureza. Deste modo, fenômenos de origem social e política são convertidos em questões biológicas, próprias de cada indivíduo. Consequentemente ocorre uma patologização das dificuldades de aprendizagem ou comportamentais das crianças que são reduzidos a um problema orgânico a ser tratado. Assim, a criança se torna o único responsável pelo fracasso escolar, perdendo todo o potencial questionador e reformulador que estas manifestações impõem à educação. O fato de uma criança não aprender ou não se comportar, é um modo dela dizer algo sobre si, sobre seu entorno, família, escola e isto precisa ser ouvido e compreendido, não simplesmente calado com uma medicação.

O que se pode esperar da educação em tempos tão tecnológicos?
É importante que a educação fique atenta ao aluno como um todo. A tecnologia a meu ver é mais um recurso, mas será na relação com o professor que ela poderá fazer sentido em sala de aula. Devemos sim, nos questionar sobre que adultos queremos formar, que sociedade queremos. Afinal a educação caminhará para esta direção.

 

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