Vinte e poucos

sexta-feira, 02 de outubro de 2015

É uma pena que os bares tenham morrido. As famílias do estatuto agradecem, mas a verdade é que os bares eram ambientes muito mais legais antigamente. Ou nem tão antigamente assim: pelo menos pra minha geração, que aos vinte e poucos anos queria ser trinta e agora depois dos trinta quer voltar aos vinte e poucos. Estamos falando de um espaço de tempo curto, quinze anos no máximo, entre o tijolão, o Nokia de cobrinha e o iPhone que custa o preço de um carro usado popular. Em dez anos evoluímos nosso aparato digital tanto quanto atrofiamos a capacidade mental, cognitiva, comportamental. Enriquecemos as máquinas e empobrecemos as gentes desde sempre.

A geração dos vinte e poucos de hoje está bem esquisita. Bem, bem esquisita. Principalmente nos bares da vida. Primeiro: cadê os campeonatos de purrinha? Cadê o vira-virou? Cadê as paqueradas escancaradas com o cara da outra mesa? Na malfadada mas divertidíssima Rua Portugal as gargalhadas eram realmente estridentes. Claro que vez ou outra a gente era obrigado a carregar alguém caído para casa, mas era quase como parte do ritual. Onde havia um bêbado, havia cinco amigos bêbados para cair junto. A algazarra inclusive incomodava os moradores, embora eu guarde comigo a opinião de que quem entrou na Portugal foi pra se molhar. Se hoje você cair bêbado, vai parar no WhatsApp bem antes de estacionar o batom borrado no chão do seu banheiro. E torça pra ter um amigo que te leve pra casa...

Ninguém dava futuro pra nós. Beberrões, arruaceiros, bagunceiros, com vestimentas inapropriadas e cabelos glam rock, fatalmente nos esperava um submundo de drogas, prostituição e subemprego. Gente esquisita, também, éramos nós, esses de vinte e poucos de antigamente, uma gente que fechava os bares da cidade, aprontava todas, mas uma gente que ainda se conversava. Eis a nossa maior diferença, talvez: a gente se conversava. Tinha Orkut pra passar o tempo, MSN para a azaração—mas era bem difícil conseguir o MSN de alguém, não tinha essa facilidade a um clique de distância. A gente devia, antes de tudo, fazer por merecê-lo. Lembro de um rapaz que sondou uns três amigos meus para conseguir meu MSN. Conseguiu, adicionou e a gente só se falou aquele dia. Sabe como é, a graça era arrombar o castelo. Mas a vida, ah, a vida acontecia lá fora, bem longe das telas. E telas, quase sempre, só nas lan houses.

Hoje a gente não se vê, não se percebe mais. Missas de corpo presente com a alma perdida entre os bytes, isso que somos. Acho até que os de trinta, como eu, ainda tentam comunicação direta, ainda estranham esse estado de coisas onde a gente não tem mais chance de se descobrir, onde tudo está muito exposto e disponível na internet (vide eu, prato feito para os psicopatas, já que me exponho aqui todos os sábados), mas os de vinte e poucos parecem nem sequer se importar. Nem nas mesas de bar. Cada mão e cada olho estão num mundo particular, dentro da tela dos celulares, preferindo a companhia dos que estão distantes do que a nossa, que está ali do lado. É triste ter que confessar que, no fundo, só os números são felizes.

O contraditório é que hoje é pela internet que mantenho contato com todos os amigos daquela época. Estão por aí, no mundo, advogados, engenheiros, fotógrafos, designers, esportistas. Ao que parece, ninguém morreu de cirrose ou virou marginal. Não sei como nos comportaríamos nas mesas dos bares de hoje, mas somos sobreviventes de um mundo que existirá cada dia menos. Última geração capaz de conversar.

Me rendi a todas as redes sociais possíveis porque eu adoro gente—e é lá que elas estão. Mas desenvolvi uma arma própria contra o sistema: eu ainda paquero os desconhecidos pessoalmente (meu Deus, eu ainda uso o termo paquerar). Há umas semanas eu reparo num moço bonito que pega ônibus de manhã no mesmo ponto que eu. Não faço ideia do nome dele, torço para que não leia este jornal de hoje; se tiver namorada, peço desculpas. Sei lá, quero ainda ter o gosto de viver como antigamente. Tête-à-tête, olho no olho, sem celular. Vencendo a estranheza de ser de um tempo sem pertencê-lo.

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Ana Blue

Blue Light

O que dizer dessa pessoa que a gente mal conhece, mas já considera pacas? Ana Blue não tem partido, não tem Tinder, é fã de Janis Joplin, parece intelectual mas tem vocação mesmo é pra comer. E divide a vida dela com você, todo sábado, no Blue Light.

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