Sumidouro: uma história esquecida de Nova Friburgo - Parte 2

quarta-feira, 02 de setembro de 2015

Iniciando a trajetória de conhecer essa história esquecida de Nova Friburgo, fui até a Fazenda Santa Cruz, uma das maiores unidades de produção de café da antiga freguesia, que pertenceu à poderosa família Jordão. A família fez alguns investimentos na vila de Nova Friburgo. Entre eles, a aquisição do teatro D. Eugênia da sociedade musical Campesina, ainda inacabado. A Fazenda Santa Cruz produz cachaça, eventualmente açúcar, mas percebemos pelo pessoal empregado que a venda desses produtos apenas cobre o custo para mantê-la. O proprietário não vive dessa atividade econômica e é uma daquelas pessoas que tem prazer em investir em fazendas históricas. A restauração que vem fazendo no sobrado é prova disso. O fim da escravidão associado a falta de adubação da terra, diminuindo a produtividade dos cafeeiros, provocou a bancarrota de muitos fazendeiros dessa região. Ainda assim, até a década 40, do século vinte, algumas fazendas ainda produziam café. No entanto, desde o fim da escravidão, a falta da mão de obra passou a ser um problema nessa região. A Fazenda Santa Cruz recebeu colonos portugueses e italianos. Percebemos nas entrevistas que fizemos em Sumidouro que esses colonos assim que juntavam algumas economias adquiriam uma pequena propriedade, abandonando as grandes unidades de produção. Em decorrência da falta de mão de obra, os fazendeiros ou migraram para a pecuária, que demanda menos mão de obra, ou adotaram o sistema de arrendamento ou parceria, que prevalece até hoje. A fabricação de açúcar foi uma atividade econômica que percebemos em pequenos proprietários rurais em Sumidouro. No entanto, alguns produziam cachaça. Os que se dedicaram a essa atividade vêm criando na região uma imagem de produzir uma boa cachaça, a exemplo da cachaça Sinhá Brasil, de Sumidouro e da premiada Cachaça da Quinta, da cidade vizinha do Carmo, que recebeu o prêmio máximo do Concours Mondial Spirits Selection, espécie de Oscar dos destilados. A cachaça virou produto de exportação e algumas marcas ganharam status de “gourmet”. Em 2013, o governo norte-americano reconheceu: para se chamar cachaça, só se for do Brasil. A cachaça entrou para o grupo seleto das bebidas “de origem”, cujos nomes são obrigatoriamente associados à sua região de origem, a exemplo do champanhe, do conhaque, do saquê e da tequila. O censo de 1872 traz o único registro oficial da população escrava nacional. Nessa ocasião, haviam no país 138.358 escravos. Nesse ano, a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Paquequer pertencia a Nova Friburgo e sua população escrava superava a livre. Do total de 4.015 habitantes, 2.167 eram de escravos. Como a maior parte da população era constituída por escravos era natural certa tensão. Há relatórios de presidentes de províncias no século 19 que registram conflitos entre proprietários e escravos nessa freguesia. Visitamos algumas fazendas em Sumidouro. A maior parte delas já não possui a senzala. No entanto, é possível identificar a sua localização por alguns vestígios de ruínas. Algumas fazendas ainda possuem a senzala e instrumentos de castigo dos escravos, mas pedem para não serem identificadas. Nesse momento, percebemos que falar sobre a escravidão é tabu em nossa sociedade. Na antiga freguesia de Nova Friburgo, uma parte dos escravos ficava no porão dos sobrados e não em instalações próprias, as denominadas senzalas. “E aí o nhonhô descia, abria o porão, cá embaixo, no baixo da fazenda, onde elas dormiam. Elas entravam para o porão, ele fechava a porta e ia embora. Elas ficavam trancadas no porão. Quando eram três horas ou três e meia da madrugada, batia o sino, ele descia, abria a porta pra elas saírem para ir trabalhar.” Depoimento recolhido no projeto “Memória social sobre saúde e ambiente: um projeto de pesquisa-ação com agricultores familiares de Sumidouro”, de Eduardo Navarro Stotz.

Continua na próxima semana.

  • Foto da galeria

    Instrumentos de castigo de escravos preservados em algumas fazendas de Sumidouro (Cortesia: Janaína Botelho)

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    Presevação da cachaça em toneis de madeira nobre (Cortesia: Janaína Botelho)

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História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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