Protágoras e Evatlo

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Na última terça-feira, dia 11 de agosto, comemorou-se o Dia do Advogado. Há teses de que a advocacia nasceu quando Deus anunciou que iria destruir Sodoma e Gomorra e Ló defendeu os moradores, negociando com Deus um quantitativo mínimo de pessoas decentes, que justificassem que a cidade fosse poupada. Como um bom advogado, Ló começou com um número alto (cinquenta justos) e terminou com a promessa de Deus de que se houvesse 10 justos no local as cidades não seriam destruídas. Foi um hábil trabalho de defesa de Ló, mas não adiantou. Só havia 4 justos e as cidades foram destruídas. Seria como se pedissem hoje ao Sérgio Moro para poupar o PT, o PMDB, o PSDB ou o PP da prisão se fossem encontrados 50 honestos na cúpula de cada partido. Ainda que um bom advogado chegasse aos 10 na negociação, provavelmente a prisão seria inevitável.

Há ainda outra versão, segundo a qual a advocacia teria nascido quando Caim fez sua autodefesa no interrogatório em que foi inquirido sobre o paradeiro de Abel, mas esta é uma versão mais maldosa, por certo.

A verdade é que a advocacia é uma das profissões mais antigas do mundo. E a Grécia é considerada o berço da advocacia. E foi justamente na Grécia que viveu um importante personagem, chamado Protágoras.

Particularmente, acho que os advogados em geral são um pouco injustos com Protágoras. Afinal, provavelmente, Protágoras foi o primeiro grego a ganhar dinheiro ministrando aulas em áreas como oratória, crítica de poesia, cidadania e gramática, e era famoso pelo alto preço que cobrava. Ou seja, ele inventou os honorários e isso já é motivo para muita comemoração dentre os advogados. Além disso, Protágoras é um dos maiores, se não o maior representante da escola de oratória, sendo autor da famosa frase: “Existem dois lados para cada pergunta"”.

Protágoras também cunhou outra famosa frase, segundo a qual “o homem é a medida de todas as coisas, daquelas que são por aquilo que são e daquelas que não são por aquilo que não são”. Esta frase não é muito fácil de se entender, o que reforça a minha tese de que ele deveria ser um ícone para os advogados e estes deveriam prestar eternas homenagens a Protágoras, já que ele parece ser o precursor do idioma secreto que os advogados adoram usar em julgamentos e peças processuais e que só eles entendem.

Mas Protágoras notabilizou-se por outro fato. Ele é um dos pais do Sofismo. A técnica argumentativa dos sofistas foi registrada por Protágoras em sua obra “Antilogia”. Para ele, é preciso aprender a argumentar a favor e contra determinada posição, pois todas são verdadeiras. Segundo a sua tese, conhecendo-se bem os argumentos contra e a favor de alguma coisa, é possível defender bem qualquer posição tomada sobre ele e rebater com eficácia os argumentos dos adversários.

O problema é quando a arma se volta contra o seu autor.

Conta-se que, determinada vez, ele fez um acordo com um dos seus discípulos, chamado Evatlo, que queria aprender oratória com Protágoras, mas não tinha como pagar. O mestre, então, propôs ao jovem aprendiz que quando ele ganhasse a primeira causa com base em suas lições argumentativas, pagaria o que devia.

Passou-se o tempo e nada de Evatlo defender nenhuma causa, ao que parece com a intenção de não ter de pagar ao professor. Um dia, Protágoras disse a Evatlo que o processaria e que não havia como o aluno se sair vencedor:

— Se você perder este processo, a decisão do tribunal obrigá-lo-á a pagar-me; se você ganhar a causa, terá, igualmente, de pagar-me, de acordo com o contrato que estabelecemos.

Nessa hora, o jovem mostrou ter sido bom aluno. Retrucou:

— Na verdade, se eu ganhar este processo, nada terei que te pagar, porque essa será a decisão da justiça, porque, sendo eu o vencedor, você é que será devedor e você será obrigado a cumprir a decisão. E se eu perder, igualmente nada terei que te pagar, porque combinamos que eu só te pagaria quando vencesse. Como se vê, de qualquer maneira, nada terei que pagar.

Sei não. Pensando bem, é melhor os advogados esquecerem Protágoras e homenagearem Evatlo. Faz mais sentido.

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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