Colunas
Cineminha
Chego à minha grande mesa azul na sala de editoria do A Voz da Serra e percebo um recorte de jornal, endereçado a mim. Costume de Adriana, que me sugere pautas lúdicas (as que mais gosto), pois entendo que o exercício do jornalismo, além de informar tecnicamente, é também (ou talvez principalmente) mostrar que por aí existe um mundo, um Brasil, uma Nova Friburgo que dá certo e não estampa só as páginas policiais. Neste ano e meio de profissão entrevistei caroneiros, pai de santo, artistas de rua, pastor da Luterana, doula, instrutor de zumba... e posso dizer que enriqueci. Milionária do sonho, como diz o Emicida. Esse é o verdadeiro saldo que me cabe: sonhar.
Voltemos ao recorte. Era uma matéria que havia lido um dia antes, na verdade, e que, por coincidência, não tinha saído da minha cabeça desde então. O título: “Onde a mãe sai de cartaz”. O conteúdo, explicando rapidamente: um projeto, chamado CineMaterna, que promove sessões especiais de cinema para as mães de bebês pequenos. As salas têm trocador de fraldas e tapete emborrachado, para que as novas mamães possam levar seus pequerruchos ao cinema consigo. Em muitos casos, este é o primeiro programa de lazer que essas mulheres conseguem fazer fora de casa depois do parto. Começou em São Paulo e se espalhou pelo país, já está presente em cinemas de 38 cidades (Nova Friburgo não está entre elas, uma pena). Um barato, mas não deveria ser.
Parece bobo, ainda mais sob a ótica das não mães ou não pais – ou pais sem noção alguma de civilidade e companheirismo, que infelizmente não são poucos. Ir ao cinema é tão simples! Mas passadas três maternidades, posso responder de cadeira: não é bobo. Nem é simples. Bebês são altamente dependentes de você, mãe. E o mundo, os pais, a casa, o emprego e os bebês, nessa exata ordem, exigem que você esteja inteira e disponível, mesmo que dentro de você exista um urso enorme chamado Cansaço precisando muito hibernar. E ter filhos, além disso, é um exercício de logística. Nisso eu sou PhD.
Não é cruel falar da dificuldade, das dores no peito e nas costas e noites mal dormidas — algumas nem sequer dormidas. Não entendo por que as mães teimam em deixar que a Cosmopolitan as despedace, como se não houvesse direitos, como se houvesse uma espécie de sub-humanidade subentendida, exposta em crachá e declarada no RG de toda mulher que se torna mãe. Se você tiver toalhinhas de crochê espalhadas pela casa, então... ferrou. É firma reconhecida.
Não é feio confessar que nós mesmas às vezes nos anulamos, nos deixamos esquecer. A volta ao normal é difícil, é muito difícil se reencontrar. Eu, por exemplo, que fui mãe pela primeira vez aos 16, já nem lembro de como é ser avulsa na vida. Faço besteira? Faço, lógico, mas eternamente ciente dos seis olhinhos que me acompanham aonde quer que eu vá. Quando quis me separar, jogar a toalha, me formar em Letras, colocar um piercing, mudar de emprego, fazer tatuagem, enfim, todas as vezes que quis fazer algo exclusivo meu, ouvi a frase “mas você tem três filhos!”, como se fosse possível esquecer isso, como se “ser mãe” não fosse outra coisa senão deixar de existir.
Às vezes, quem tira férias sou eu. Micro, minúsculas, coisa de horas. Momentos em que eu sou só eu. O amor de mãe, claro, não tira férias. Mamães, vamos lembrar de quem somos, erros e acertos, viagens e divindades. Os filhos não nascem do cansaço — e não merecem viver envoltos nele. Sejamos gente, acima de tudo, tenhamos gostos, desejos, vontades, e aí sim, seremos exemplo, ação, admiração, profissão (nessa exata ordem). Fulana de Tal no RG e sem crachá indicando subespécie. É o amor o maior e melhor exemplo, não a anulação.
Quanto a mim, sigo amando, lambendo as crias. Fazendo tatuagens, bebendo tequilas. E se alguém quiser vir me chamar para um cineminha, digo ao povo que topo.
Ana Blue
Blue Light
O que dizer dessa pessoa que a gente mal conhece, mas já considera pacas? Ana Blue não tem partido, não tem Tinder, é fã de Janis Joplin, parece intelectual mas tem vocação mesmo é pra comer. E divide a vida dela com você, todo sábado, no Blue Light.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário