Acordai, João!

quinta-feira, 02 de julho de 2015

Infelizmente não vemos mais na festa de São João, em Nova Friburgo, as tradicionais barraquinhas ornadas com bambus, bandeirinhas, a simulação da fogueira, enfim, toda uma representação que nos faz voltar ao passado, já que estamos festejando uma tradição. A atual festa do santo padroeiro é realizada com barracas brancas, sem nenhum colorido, de material sintético, e o tamanho das barracas é tão desproporcional à praça que deixa esse espaço com um aspecto de acampamento de guerra ou campanha de vacinação em massa. O mau gosto é extremo! É claro que a utilização de balões são incorretos e as fogueiras impraticáveis, mas ao menos poderia a Igreja Católica e a Secretaria de Cultura zelar pela manutenção de elementos que lhes são característicos, como um arraial de barraquinhas com bambus e bandeirinhas de tecido ou papel, dando um colorido à festa. Outro elemento que deveria ser exigido entre os barraqueiros são os alimentos típicos da ocasião, com guloseimas privilegiando o milho. Colhido em junho, o milho tornou-se a base da culinária junina no preparo de iguarias como a canjica, a pamonha e o curau. Seu uso igualmente simboliza a gratidão pela colheita farta.

Dom João VI escolheu o seu santo protetor, São João Batista, para ser o orago de Nova Friburgo. São João, por ter batizado Jesus, ganhou o apelido de Batista lhe garantindo lugar de honra entre os santos católicos. Como Jesus, ele é o único do qual se comemora o dia do nascimento, e não o da morte. A Igreja Católica se apropriou de alguns elementos do ritual pagão, pré-cristão, como é o caso da fogueira. Na Europa, registrava-se a queima noturna de fogueiras no solstício de verão, para festejar a vitória da luz e do calor sobre a escuridão e o frio. Apropriando-se desse rito, o Concílio de Trento transformou as fogueiras de solstício em “fogos eclesiásticos”. A fogueira passou a ser sinônimo de purificação, qualidade que transformou em símbolo das execuções da Inquisição. Em fins do século 19, por ocasião da festa de São João, no fogo crepitante ardiam a batata-doce, a mandioca e até o bacalhau. Já a quadrilha era uma dança que não era exclusiva das festas religiosas. Era dançada nos carnavais e soirées da elite em Nova Friburgo, assim como em todo o país, no tempo do Império. Curiosamente essa dança foi apropriada por matutos e caipiras nas festas populares.   Rodinhas, pistolas, foguetes, busca-pés, chuveiros, rojões, cartas de bichas, girassóis, traques de sete estouros e bombas estouravam de quando em quando no arraial da festa de São João.

Para fechar o artigo, nada melhor que a deliciosa poesia de Maria José Braga, um convite a um “Tempo Anterior”, título de seu livro, que narra de forma poética a primeira festa em homenagem ao padroeiro na vila do Morro Queimado: “O ano vai nos meados de mil oitocentos e vinte/ Translúcido é o mês de junho que o calendário desfolha./ Foi quando o inverno chegou.  Foi quando a flor-de-são-joão suas brácteas estendeu e embandeirou de vermelho toda Nouvelle Fribourg, que a colônia festejou com rigor, pompa e carinho o batista padroeiro./ Que algazarra de mosteiros para saldar a alvorada desse vinte e três de junho que se anuncia glorioso!/ Passam antigos militares pelas praças, em desfile: tambores, pífaros, garbo pedem os aplausos do povo./ Às dez horas, no chateau, a liturgia é solene. São três padres portugueses que se revezam no incenso e cantam textos latinos. Ao abbé lhe cabe o púlpito: vai gabar, do padroeiro, o parentesco divino, as andanças percursoras, a vida austera, o martírio./ Há namoros e promessas, graças e prendas e flores na tarde que corre, amena, entre as danças e os torneios./ Dá gosto compor a história de uma alegria tão rara: lembrar a primeira festa em louvor do padroeiro.” Nos parece que a festa do santo padroeiro mereceria da Igreja Católica e da Secretaria de Cultura melhor apreço às nossas tradições.    

Foto da galeria
Banda Euterpe se apresentando em uma festa junina no final do século 19. (Cortesia Janaína Botelho)
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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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