Junho

sábado, 20 de junho de 2015

Uma crônica nascida do pastel.

As ideias estão tão misturadas na minha cabeça que nem sei por onde começo a falar. “Começa do começo”, grita a criança da quinta série que mora dentro do meu cérebro. Bom, começou quando eu espalhei as massas de pastel sobre a mesa.

Comemoração pobre de aniversário de filho. Alexandre faz seis anos. É junho em Nova Friburgo e faz frio, muito frio. Claro, é junho em todos os lugares do mundo (quer dizer, para alguns é mês de Iyar do ano 5775), mas para nós ainda é junho e 2015 no calendário e nas faturas. Junho me trouxe dois filhos e levou minha mãe. Um mês esquizofrênico, de emoções variadas.

Me vejo nos meninos, e não é só modo de dizer. No meu tempo eram os fartos frangos assados recheados com cebola que enfeitavam os aniversários, um tabuleiro bem grande e redondo com duas receitas de bolo Dona Benta, uma dúzia de crianças do morro e da família nas imediações da mesa, absurdamente encantadas pelos docinhos, quando tinha. Tudo era calor: sou cria de dezembro. Sou fruto de pós-carnaval, como a quarta de Cinzas. É tudo verão lá fora, mas inverno aqui dentro.

Até um dia desses, eu adorava fazer aniversário. Depois quis matar de mim os rituais. Mas os filhos exigem velas para assoprar — e quem tem medo de enfrentamento não pode botar filho no mundo. Agora estava eu ali, então, a refogar carne moída e rechear pastéis, torta de padaria na geladeira, comprada no cartão pra daí a trinta dias. Passou geração e morte, aventuras e medo, e continuamos frágeis, à mercê dos financiamentos. A mesma alma rasa de quem tem muito pouco pra dar. E num frio de congelar os ossos. Essa lembrança eu não tenho da infância, de passar frio, apesar de ter morado anos numa casa sem janelas: mamãe dava seu jeito de não deixar o frio passar.

Antes de dormir, meu filho disse que o dia foi sensacional. Usou essa palavra, o danado. Disse que adorou o bolo, adorou o presente. Meu pequeno milagre: filho do inverno, mas cheio de calor pra dar.

Parece que eu também dou jeito de não deixar o frio passar.

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Ana Blue

Blue Light

O que dizer dessa pessoa que a gente mal conhece, mas já considera pacas? Ana Blue não tem partido, não tem Tinder, é fã de Janis Joplin, parece intelectual mas tem vocação mesmo é pra comer. E divide a vida dela com você, todo sábado, no Blue Light.

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