Trampolim

domingo, 14 de junho de 2015

Um Kit Kat, um X-tudo e um Guaravita — nessa ordem. Onze reais, que eu nem tenho pra gastar, e mais uma vez uma despesa desnecessária no salário do mês invade a minha conta bancária mais que abandonada. Sou dada a tentações. Sou extremamente dada a queijo derretido. E bacon, como vocês sabem, é vida. 

X-tudo é um prato solitário, combina comigo. Comunitário mesmo é fondue, pizza, melancia, Coca dois litros. Fui me dar conta disso na última noite em que comemos juntos: um pacote inteiro de camarões empanados e uma bandeja de escondidinho de carne moída, Pif Paf, provavelmente. Engraçado que eram, sei lá, cinco anos de casamento, e ele me veio com a orientação de não comer pelas beiradas o escondidinho. “No meio é mais frio”. E de repente nós, que estávamos prestes a seguir cada um o seu caminho, dividíamos miudezas. E eu comi, pela primeira vez talvez, um prato muito quente sem queimar a língua. Achei sensacional descobrir algo novo assim, já tão no fim de um ciclo. Fins e começos mexem comigo. E eu ainda não o conhecia por inteiro.

Há pormenores em que ninguém pensa numa separação. Tão difícil voltar aos solos depois de conhecer as delícias dos combos. E por eu ser assim, alguém que busca em todo canto um acontecimento querendo ser texto, só consegui pensar em como é ruim cozinhar para se comer sozinho, mas não dá pra comer comida de micro-ondas para sempre, nem X-tudo, nem fritura. É preciso aprender a ser só. A só ser.

As pessoas pensam nas casas, partilhas de bens, alugueis, contas a pagar. Quem vai ficar com o aparelho de jantar? Quem vai dormir agora com a colcha de retalhos que Dona Mariana deu? Acho o pragmatismo divino, mas não sou sócia desse clube. Eu penso mais naquelas noites em que a gente está com sede e pah!, nasce um copo d’água bem ali na cômoda. Eu penso na caixa de correio vazia. Ou em não ter com quem comentar a novela. Como se precisasse. Me acostumarei às latas de 350ml? Às porções individuais? Eu me pergunto quem vai conferir se a porta está trancada, matar barata na cozinha, virar a fritura, pegar minha bombinha. Quem?

Eu, claro. Agora sou só eu.

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Ana Blue

Blue Light

O que dizer dessa pessoa que a gente mal conhece, mas já considera pacas? Ana Blue não tem partido, não tem Tinder, é fã de Janis Joplin, parece intelectual mas tem vocação mesmo é pra comer. E divide a vida dela com você, todo sábado, no Blue Light.

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