Os outros são os outros e só...

quinta-feira, 11 de junho de 2015

7 de janeiro de 2015. Revista Charlie Hebdo. Paris. O mundo todo se comove com a tragédia envolvendo os editores e caricaturistas da revista Charlie, atacada por fanáticos por causa de suas ofensas a Maomé e Alá. De uma hora para outra, pipocavam camisetas, bandeiras e cartazes com a frase “Je suis Charlie” (Eu sou Charlie).

7 de junho de 2015. Parada do orgulho LGBT. São Paulo. O Brasil inteiro fica indignado com as imagens da passeata, em que, entre outros excessos bizarros, houve manifestantes zombando e usando de forma nada convencional símbolos do cristianismo.

O curioso é que muitas pessoas que hoje criticam e ficam indignadas com o desrespeito da parada gay são as mesmas que, em 7 de janeiro, repetiam em suas redes sociais #jesuisCharlie, em solidariedade aos caricaturistas que, vejam só, queriam apenas zombar da fé dos muçulmanos, já que as charges da revista eram notórias por colocar sempre Maomé e Alá em situações constrangedoras, geralmente de cunho sexual.

À época, todos acharam um absurdo os caras não poderem fazer uns inocentes desenhos. Afinal, o que tinha demais numa charge só porque sacaneava a fé dos outros? Mas agora, quando a fé zombada é a “nossa”, a coisa muda de figura. Isso mostra que, em geral, as pessoas não são a favor da liberdade de expressão ou da proteção à fé. As pessoas, em geral, são a favor é da “sua” liberdade de expressão e da proteção à “sua” fé.

Em minhas aulas em cursos preparatórios para concursos, quando discutimos o artigo 5° da Constituição, que trata dos direitos e garantias fundamentais, sempre que chegamos ao Inciso VI (é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva), gosto de provocar os alunos. Pergunto: “Quem é a favor de que haja ensino religioso nas escolas?”. Invariavelmente, a maioria levanta as mãos. Faço nova pergunta: “E quem é a favor de que o ensino religioso na escola do seu filho seja ministrado por um rabino, um aiatolá, um xamã, um pajé...?”. As mãos, via de regra, começam a baixar, lentamente.

Isso acontece porque, na verdade, as pessoas não querem ensino religioso nas escolas. Querem é ensino exclusivo da “sua” religião, que, diga-se de passagem, é a única que presta. Explico aos meus alunos que, particularmente, sou contra o ensino religioso nas escolas, para escândalo dos puritanos. Lembro-me de que, quando criança, tinha aula de ensino religioso. Religião católica. Respeito, mas não sou católico. E a professora nos fazia cantar a Ave Maria, que pode ser uma música linda, mas não professa a minha fé. E aí?

Escola não é lugar de religião. Aliás, não é sequer lugar de educação, no sentido real da palavra. Educação a criança aprende em casa, com os pais e com a família. Na escola, ele deveria aprender matemática, português, geografia, história, ciência etc. Claro que no contexto que temos, isso não acontece assim e os professores lecionam, ensinam, educam, dão valores morais e praticamente criam os alunos, por falta de estrutura familiar, mas isso já é outra história.

Não sou Charlie. Nunca fui. Nunca serei. Acho um absurdo, em nome de uma suposta liberdade de expressão, ofender a fé dos outros, com tanta coisa pra se zoar na vida. E as manifestações em busca de respeito da comunidade LGBT ultrapassaram todos os limites do bom senso e do respeito. E não dá para exigir respeito agindo com falta de respeito com a religião dos outros e com a fé dos outros. Simples assim...

Respeitar a fé dos outros... não é pedir muito... só que, nessa hora, parece que o #jesuisCharlie passa a ser #somostodosLeoni: os outros são os outros e só... assim não dá...

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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