A quantas anda a festa de Santo Antônio?

quinta-feira, 04 de junho de 2015

Durante muitos séculos de nossa história as festas religiosas foram as únicas formas de sociabilidade de um povoado. No entanto, elas começaram a perder importância, principalmente nos maiores centros urbanos, nas últimas décadas. Em Nova Friburgo, a festa de Santo Antônio era muito festejada e o santo foi até contemplado com uma capela, na Praça do Suspiro. Havia grande concorrência de fiéis e de romeiras que iam pagar suas promessas. Na véspera, uma ladainha, e na alvorada do dia 13 de junho, dia do santo, as sociedades musicais percorriam a cidade despertando os devotos de Santo Antônio com harmoniosas peças de seu repertório. Na missa, subia à tribuna o pregador que perorava o panegírico do glorioso taumaturgo. Às cinco horas da tarde, as famílias participavam da procissão e as crianças se vestiam de anjos e virgens. Em fins do século 19, juncava-se de folhagens e flores a frente das casas por onde passava o préstito, em tributo ao santo. 

Os friburguenses tiravam do armário capas, casacos, mantôs, cachenês, luvas e ainda “forravam por dentro” com a bebida Maria Brizard para enfrentarem o frio da festa. Em fins do século 19, a Praça do Suspiro era iluminada por luz de acetileno com um holofote soberbo que dardejava raios possantes. Flores e folhagens ornavam um arraial de barraquinhas, todas iluminadas por lanternas, e por toda a extensão delas, bandeiras e galhardetes de várias cores e nacionalidades. Os imigrantes portugueses e italianos auxiliavam na organização da festa deste santo: glória de Portugal que lhe foi o berço e honra da Itália que lhe guardava o túmulo. No festim de Santo Antônio, esbaldava-se com doces, café, refrescos, patos, perus, leitoas, carneiros, vitelas, carás e melado. Ardiam fogueiras assando-se canas e batatas-doces. Armava-se um coreto e ao som de uma banda de música apregoava-se um leilão de prendas oferecidas pelos fiéis. Atroavam nos ares girândolas de foguetes e ascendiam balões de todas as cores e tamanhos com dísticos e figuras alegóricas. Tocavam as quatro sociedades musicais, Euterpe, Campesina, Estrela e Recreio dos Artistas, e alguns particulares faziam apresentações com instrumentos de sua predileção. O pãozinho de Santo Antônio distribuído na Igreja é outra tradição. O pão, que é bento, deve ser deixado junto aos demais mantimentos para que estes não faltem jamais. Em troca, os fiéis costumavam deixar ofertas. Durante a festividade a população afluía à capelinha levando promessas e donativos ao santo. Alguns levavam pencas de laranja ou frangos que trocavam por medalhinhas e registros com laços de fitas. As meninas vestidas galantemente saíam como bando de andorinhas travessas à cata de flores para enfeitarem o oratório. Já os meninos corriam pela multidão jogando bichas e buscapés em direção às moças que corriam esbaforidas, com medo de queimarem os vestidos novos. As moças solteiras acendiam velas de cera ao santo casamenteiro pedindo um bom matrimônio. Santo Antônio era muito solicitado pelas moças jovens e solteiras. Já as quarentonas faziam pedidos a São Gonçalo de Amarante, o das causas impossíveis. As mais idosas recorriam a São Pedro. Desejavam garantir uma entrada no céu já que este santo era quem possuía a chave. Ironia da época. O relacionamento entre os devotos de Santo Antônio era de uma intimidade irreverente e debochada, mormente quando se tratava de simpatias, sortes, adivinhas e feitos ao santo: “Confessei-me a Santo Antônio, confessei que estava amando. Ele deu-me por penitência que fosse continuando”. No tempo em que as moças eram desejosas de se casar, costumavam colocar a imagem do santo de cabeça para baixo, atrás da porta ou enterrá-lo até o pescoço. Fazem o pedido e, enquanto não fossem atendidas, lá fica a imagem de cabeça para baixo. Ela só deve ser desvirada quando a pessoa alcançar o pedido. Encerrava-se a festa queimando fogos de artifício com repiques dos sinos da igrejinha de Santo Antônio para alegria da gárrula meninada. A bem da verdade, não sei a quantas anda as atuais festas juninas. Mas certamente não tem o brilho e a importância que tiveram no passado.

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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