#somostodosinvisíveis

quinta-feira, 28 de maio de 2015

O episódio envolvendo o acidente com a família do apresentador e vendedor de camisetas politicamente incorretas Luciano Huck deixou à mostra mais uma vez uma faceta de uma mídia que retrata uma estranha sociedade em que, cada vez mais, a ordem é privilegiar o sensacionalismo e negligenciar a pessoa humana.

O Jornal O Globo, casa na qual os apresentadores trabalham, ao se referir ao acidente, fez um gráfico em que apontava todos os envolvidos: Luciano Huck, Angélica, os filhos Benício, Joaquim e Eva, os pilotos Osmar Frattini e José Flavio de Souza e... duas babás. Ponto. Babás sem nome, sem identidade, sem RG, sem CPF, sem nada. Ou com nada. Dá no mesmo... 

As babás teriam alguma importância para a emissora, talvez, se tivessem morrido no acidente, o que, graças a Deus, não ocorreu, porque aí, com certeza, seriam pelo menos citadas nominalmente no quase inevitável Globo Repórter Especial em homenagem à vida e à valorosa “obra” dos famosos; ela, apresentadora do “Estrelas”, programa fútil/inútil que cumpre a sua importante função social em um canal de TV, que é uma concessão pública, narrando aos pobres do país a vida nababesca dos ricos e famosos, vulgo estrelas; ele, apresentador do Caldeirão, programa de nome duvidoso, que coloca na mesma panela mulheres com pouca roupa, carros com pouca utilidade, entrevistas com pouco conteúdo e pessoas com poucas ideias, receita perfeita para o sucesso... Ainda bem que sobreviveram...

Há os que digam que as babás não tiveram os nomes divulgados por questões de segurança; afinal, se as pessoas soubessem os nomes das babás, os filhos dos apresentadores estariam em risco. Argumento excludente e preconceituoso, porque implica em acreditar que se os bandidos do país soubessem que as babás se chamam Francisca e Marcileia ou qualquer outro nome, automaticamente os filhos dos famosos seriam sequestrados, o que significa que, com o que elas ganham, moram em comunidades cercadas de vizinhos bandidos (?). Por essa ótica, todos os que trabalham para quem é rico ou famoso estão condenados a viver num limbo ou ostracismo existencial, alijados de nomes, histórias e personalidades, deixando de existir como pessoas para a sociedade para se dedicarem exclusivamente às vidas dos patrões. E dos filhos dos patrões. Tudo em nome da segurança e proteção dos novos sinhozinhos. Tosco.

E o mais triste é saber que a realidade delas é a mesma da maioria das pessoas que trabalham para os mais ricos, sejam estes pessoas, grupos, governos ou tribunais, onde, frequentemente, não temos nomes, por vezes sequer prenomes, tratados como formigas operárias, parte de uma engrenagem que existe para cuidar da vida dos outros, dos interesses dos outros, dos filhos dos outros, das contas dos outros e dos lucros dos outros... seres humanos transformados em um amontoado de peças, números, itens, acessórios, penduricalhos e apêndices, retrato perfeito de um país onde direito, justiça e dignidade só costumam existir para alguns.

E quando estes invisíveis gritam por justiça ou dignidade, a mesma mídia ignora solenemente, optando por reproduzir pronunciamentos oficiais que asseguram sempre que tudo transcorre dentro da mais nobre e perfeita normalidade, pelo menos pelos parâmetros de quem realmente interessa. E assim, frequentemente, somos transformados, além de invisíveis, em inaudíveis. E a vida continua, pelo menos até o próximo acidente...

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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