Faça o que eu falo, não faça o que eu faço...

quinta-feira, 21 de maio de 2015

O adágio que dá título à coluna de hoje é famoso e antigo. Todo mundo já o ouviu alguma vez. O tempo passou, mas o ditado permanece. A diferença é que, hoje, as pessoas não citam o ditado; elas simplesmente o representam, personificam... ou vestem a carapuça...

Os servidores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro lutam há anos por uma conquista trabalhista, que já é concedida aos servidores do TCE, MP, Procuradoria, Alerj etc: o auxílio-educação. Uma coisa é certa: todos, absolutamente todos os cidadãos, deveriam receber educação de qualidade, e não somente os servidores, porque a Constituição Federal determina que a educação é um dever do Estado e um direito de todos, mas, no Brasil, as conquistas de direitos sempre nascem da luta de algumas categorias, de forma sofrida e chorada, e depois se estendem a todos os demais trabalhadores. Foi assim com o salário mínimo, o vale-transporte, a carga horária de 8h, o terço de férias, o repouso remunerado e muitos outros, que hoje são regras comuns...

Em 1888, foi criada a aposentadoria dos funcionários dos Correios. Mais tarde, em 1923, surgiu a Caixa de Aposentadoria e Pensões para os empregados das Empresas Ferroviárias e seus familiares. Essa mesma Lei estendeu o benefício aos trabalhadores marítimos e portuários. E somente a partir da década 30 os benefícios sociais foram implementados para outras categorias de trabalhadores dos setores público e privado, com a implantação de diversas normas. Até o bom e velho FGTS, que desde 1967 protege o trabalhador privado, só agora, em 2015, está chegando de fato à classe das domésticas. E, ao que se sabe, ninguém era contra o FGTS até então só porque as domésticas não tinham o mesmo direito. Logo, a história de ser contra um direito de uma classe só porque outra não é beneficiada não parece fazer sentido. Ao contrário, a luta deve ser para que todos tenham educação de qualidade, preferencialmente prestada pelo governo, que é quem recolhe e faz sumir os nossos suados impostos.

Assim se avança nas questões trabalhistas no Brasil. Aos poucos. E sofrendo crítica. O problema é quando a crítica é flagrantemente demagógica...

Um grupo de magistrados divulgou uma carta aberta, contrária ao auxílio-educação dos trabalhadores da Justiça. Até aí sem problemas. A opinião é livre. Isso é democracia. O que não é livre é a incoerência. Vejamos os argumentos usados: os magistrados alegam que “não podem se misturar com quem vive lesando a pátria com artifícios indignos”; lembram que “quem paga é a população” e ainda terminam de forma apoteótica, afirmando que “não querem receber o benefício”. Se estivéssemos no teatro, o pano poderia cair neste momento, sob emocionados e entusiasmados aplausos. Mas, como não estamos, vamos ao mundo real, em que alguns fatos deixaram de ser contados na tal carta aberta dos indignados magistrados:

O magistrado que divulgou a carta aberta recebeu neste mês impressionantes 73 mil reais. Não, leitor, você não leu errado: setenta e três mil reais de pagamento em um único mês. E não foi fruto do acaso, porque no mês anterior ele recebeu 72,8 mil reais. Obviamente que qualquer um que tenha um contracheque desse porte pode alardear à vontade que está heroicamente abrindo mão de um auxílio, receber aplausos da sociedade e ainda ser aclamado como o novo bastião da moralidade.

Os magistrados também se esqueceram de contar à população que ganham auxílio-moradia, que custa a bagatela de R$ 50 milhões de reais por ano para 800 felizardos, digo, magistrados. Houve forte rejeição da sociedade à época da aprovação do auxílio-moradia, mas, curiosamente, não houve nenhuma carta de protesto de magistrados indignados contra a benesse em nome da população. E, ao que se sabe, nenhum deles abriu mão de receber e também não há registro de que qualquer deles tenha “adotado um Ciep” com a verba, como hoje sugerem em seu bonito discurso.

Em sua carta aberta, os magistrados também se esqueceram de contar à população que recebem gratificações para atuar em auxílio e substituição, auxílio-alimentação que é o dobro do valor dos servidores (como se fome tivesse gradação social), diárias, pagamentos de plantão em dinheiro retroativo a 10 anos, cota de combustível, carro oficial, motoristas, auxílio-alimentação também retroativo a dez anos, auxílio-locomoção (cujo valor é segredo), venda de férias e licenças (aliás, duas férias por ano), gratificação por serviço eleitoral, gratificação por participação em grupos de sentença, auxílio-saúde para si e seus dependentes e mais uma infinidade de benesses que estão a caminho com a nova Loman, lei imoral e corporativista dos magistrados. E tudo isso pago adivinhe por quem? A população. Ou não?

E onde está a carta aberta com frases de efeito contra essas maravilhosas benesses pagas com dinheiro público? E onde está o requerimento destes magistrados abrindo mão de todas essas benesses em nome da coerência? Algum magistrado indignado quer ser o primeiro a protocolizar a renúncia aos benefícios da magistratura? Não? Ninguém? Então tá...

Quando surgirem as primeiras renúncias a gente muda o título desta crônica...

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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