O caso do desfile

sábado, 16 de maio de 2015

Eu adorava vestir o vestido de noiva de mamãe, que ficava numa caixa em cima do guarda-roupa. E como toda menina de 12 anos, para acompanhar eu usava um par de sapatos pretos, de saltos altos, que ela tinha comprado para ser madrinha de casamento do tio Zé e tia Eliane. Botava a luva, passava batom. Pressa de ficar adulta.

Tal não foi o meu orgulho quando, finalmente, tive a chance de usar o salto na rua, com a ponta cheia de algodão. E não foi em qualquer evento, não. Eu representei uma espanhola num dos desfiles do aniversário da cidade, em plena Alberto Braune. Não sei se foi o meu cabelo preto ou esse apartamento de dois cômodos que eu tenho na cara e que no dicionário diz que se chama nariz. Deram a Espanha pra mim, com castanholas e tudo, um xale vermelho fedorento e umas rosas enormes pra pôr na cabeça. Mas nada disso interessava: eu iria desfilar na passarela, de salto alto, de frente para o prefeito.

E desfilei. Cantando todos os hinos, inclusive aquele não-sei-o-que-lá augusto da paz, que não lembro mais a letra. Nós, os alunos do Professor Messias, acenávamos às arquibancadas. Muitos rostos e em cada rosto, uma verdade: Friburgo sabe bem parir.

Essa é a primeira cena que me vem à cabeça quando penso na minha cidade. Claro, tem o Cão Sentado, que já subi uma dúzia de vezes, a pizza da Califórnia, que já comi algumas dúzias, por assim dizer. Caledônia, Nêgo, Catarina, quantas linhas caberiam aqui sobre nossas belezas? Friburgo tem realmente muito lugar pra se explorar, mas, acima de tudo, Friburgo tem friburguenses, entre os quais me incluo com gosto. 

Não fossem esses rostos e essas histórias, não fosse cada mão que toca neste verde, que crônica eu teria para escrever hoje? Moro no epicentro de um festival infindo de comidas, árvores — quando deixam —, frio e gente bonita. Como não amar?

Dentro de mim mora uma friburguense feliz que sente saudade de casa até quando está dentro dela. A filha orgulhosa de uma terra em que se plantando, tudo dá, mas se não plantar ela dá também. Nunca me esquecerei de que foi num desfile cívico que eu me descobri mulher de saltos altos, representando outras terras, outras gentes, outros povos. Foi ali que me descobri parte do mundo. Eu e meu nariz europeu.

Desejo que nossa gente cresça, que nosso comércio cresça, que nossos políticos cresçam — e apareçam! — e que tudo de grande e bom aconteça à nossa cidade. Que Friburgo tenha sempre pressa em ser adulta. Gente boa pra isso, tem. O que falta, de alguns — os mais interessados, aliás; eleitos pra isso, inclusive — é verdade, honra e vergonha.

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Ana Blue

Blue Light

O que dizer dessa pessoa que a gente mal conhece, mas já considera pacas? Ana Blue não tem partido, não tem Tinder, é fã de Janis Joplin, parece intelectual mas tem vocação mesmo é pra comer. E divide a vida dela com você, todo sábado, no Blue Light.

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