Zero: denúncia chega ao Ministério Público

Conheça a representação no MP contra o estacionamento rotativo
terça-feira, 05 de maio de 2015
por Jornal A Voz da Serra
O sistema de estacionamento rotativo tem causado polêmica e suscitado dúvidas sobre sua legalidade (A Voz da Serra)
O sistema de estacionamento rotativo tem causado polêmica e suscitado dúvidas sobre sua legalidade (A Voz da Serra)

A Voz da Serra publica nesta edição com exclusividade um resumo da representação feita pelo vereador Pierre Moraes junto à Justiça estadual. No documento, o parlamentar apresenta questionamentos sobre a cobrança do sistema de estacionamento rotativo nas ruas.

Encampando desde o início a busca por informações que possam esclarecer a situação judicial da cobrança do estacionamento rotativo em Nova Friburgo, A Voz da Serra já abriu espaço a discordantes e a defensores do ZERo, inclusive promovendo um debate entre as partes. Hoje, a fim de dar ainda maior transparência à questão, o jornal abre espaço para reproduzir o resumo da representação protocolada pelo vereador Professor Pierre junto ao Ministério Público Estadual no dia 27 de abril, que reúne todos os questionamentos feitos à cobrança em seu formato atual. A quem interessar, a representação pode ser lida na íntegra em nosso portal na internet.

Ausência de base legal para gerenciar, cobrar preço e aplicar penalidades relativas a estacionamento rotativo

O Representante teve acesso a informações e documentos que trazem fortes indícios de graves irregularidades relativas ao estacionamento rotativo no município de Nova Friburgo, visto que carece de respaldo legal em vigor.

Em 27 de janeiro de 1998, entrou em vigor a Lei Complementar n.º 10, que “Cria a Autarquia Municipal de Trânsito e dá outras providências”.

O artigo 8º da referida lei autorizava o Poder Executivo Municipal a “cobrar, implantar, manter e operar sistema de estacionamento rotativo e fixo, pagos nas vias e logradouros públicos municipais”, com definições por Decreto Municipal. O parágrafo único do mesmo dispositivo determinava que 50% dos recursos deveriam ser destinados a instituições filantrópicas.

No entanto, desde 28 de janeiro de 1998 até 11 de novembro de 2009, o Poder Executivo não publicou decreto municipal regulamentando o artigo 8º da Lei Complementar n.º 10 de 1998, de maneira que não houve implantação, manutenção e operação de sistema de estacionamento rotativo nesse espaço de tempo.

Somente em 12 de novembro de 2009, no primeiro ano de mandato da legislatura 2009-2012, o Exmo. Prefeito Eng. Heródoto Bento de Mello expediu o Decreto Municipal n.º 1803, instituindo, com base no referido dispositivo, “o Sistema de Estacionamento Rotativo Regulamentado, ZONA DE ESTACIONAMENTO ROTATIVO – ZERO, em vias e logradouros públicos da cidade de Nova Friburgo”.

Em vigor, a ZERo passou a arrecadar de fontes provenientes de estacionamento e de multas, reboques e diárias decorrentes.

Em 10 de março de 2010, após aprovada, sancionada e publicada, entrava em vigor a Lei Complementar n.º49 (“Altera a estrutura orgânica da Autarquia Municipal de Trânsito de Nova Friburgo, revoga a Lei Complementar Municipal n.º 10, de 27 de janeiro de 1998 e dá outras providências”) que, além de revogar expressamente a Lei Complementar n.º 10 de 1998, reiterou e remodelou vários dispositivos desta lei revogada, inclusive da base legal de autorização para instituição de estacionamento rotativo, conforme disposto no artigo 13.

Evidentemente, com a revogação expressa da Lei Complementar n.º 10/98, o Decreto Municipal nº 180/09, de criação e instituição da ZERo, foi tácita e consequentemente revogado, visto que sua expressa base legal perdeu validade no mundo jurídico, de maneira que não estava mais instituído “o Sistema de Estacionamento Rotativo Regulamentado, ZONA DE ESTACIONAMENTO ROTATIVO – ZERO, em vias e logradouros públicos da cidade de Nova Friburgo”.

Sem decreto regulamentador vigente, visto a revogação do anterior, a partir de 10 de março de 2010 até 31 de dezembro de 2013, a situação relativa a estacionamento rotativo encontrou realidade análoga ao período compreendido entre 28 de janeiro de 1998 até 11 de novembro de 2009.

Assim, depois de criado o sistema, fica demonstrada uma primeira irregularidade, ainda que em menor gravidade, na cobrança de estacionamento rotativo: havia autorização legislativa para implantar, manter e operar, porém não havia regulamentação vigente para tal.

Ato contínuo, advento legal viria a imputar força ao desamparo de funcionamento da ZERo. Em 1º de janeiro de 2014, entrou em vigor a última Reforma Administrativa da Prefeitura (Lei Complementar n.º 79/13). Essa norma revogou plenamente a LC n.o 49/10, somando-se à já ausência de decreto regulamentador vigente, perda de autorização legislativa para implantar, manter e operacionalizar estacionamento rotativo, ou seja, retomando o status quo anterior à publicação da LC n.º 10/98.

Em nenhum dispositivo da LC nº 79/139, nem mesmo nas atribuições da criada Secretaria Municipal de Ordem e Mobilidade Urbana em substituição à Autran, consta qualquer ressalva ou expressão de autorização para manutenção e operacionalização de sistema de estacionamento rotativo.

Destarte, a partir da vigência da LC n.º 79/13, a ZERo adquiriu situação plena de ilegalidade: sem autorização para implantação, manutenção e operação; sem regulamentação válida de qualquer natureza.

Urgem, nesse sentido, medidas de elucidação jurídica à população e também de esclarecimento acerca do destino dos recursos da ZERo e por que meios devidamente previstos e para que finalidades, especialmente apás a vigência da Lei Complementar n.º 79/13, que tornou sem efeito as determinações constantes da Lei Complementar n.º 49/10.

Dos fortes indícios de irregularidades no processo de arrecadação e de descumprimento da legislação específica, quando em vigor

Em 16 de abril de 2014, foi enviado ao Poder Executivo o Requerimento de Informação nº 137/14, o qual retornou com respostas parciais em 27 de maio de 2014.

Conquanto a isso, em consulta a algumas das principais instituições filantrópicas, chegou-se ao conhecimento de que nenhuma delas havia sido contemplada com recursos provenientes da ZERo a partir da vigência do sistema, em evidente descumprimento das leis complementares n.º 10/98 e n.º 49/10, as quais determinavam, respectivamente nos artigos 8º e 13º, que 50% dos recursos arrecadados pela ZERo, pelo menos ate a vigência da Lei Complementar n.º 49/10 em 31 de dezembro de 2013, deveriam ser destinados a instituições filantrópicas.

Ao encontro disso, verbalmente foi obtida a informação de que os recursos destinados às respectivas instituições filantrópicas estariam sendo depositados em conta específica, porém nunca foram utilizados para este fim em virtude de ausência de devida regulamentação por parte do Chefe do Executivo. Assim, em razão da falta de regulamentação, estariam sendo extraídos recursos em prejudicial volume de outras fontes para custear subvenções, muitas das vezes insuficientes para instituições de grande apelo social, como, entre outras, Casa dos Pobres São Vicente de Paulo e Lar Abrigo Amor a Jesus.

Em relação ao potencial recurso depositado em conta específica, a questão ganha contornos de complexidade. Como poderá o Poder Executivo utilizar recursos destinados para esse fim, já que não o aplicou em tempo devido, se não mais há mais vigência do parágrafo único do artigo 13 da Lei Complementar nº 49/10, revogada em 31 de dezembro de 2013? Trata-se de questão instável quanto a essa parte do erário, a qual demanda apuração, não sendo concorrente a obtenção de dados mais detalhados pelo Representante em razão da ilegal sonegação de informações solicitadas.

Assim, é de espantar como, a partir da vigência da ZERo, ao largo da atuação de diversos gestores executivos, nenhuma instituição filantrópica percebeu recursos determinados em lei.

Por outro lado, também não foi comprovada a utilização dos outros 50% dos recursos da ZERo, os quais deveriam ser aplicados na aquisição de materiais para sinalização de trânsito. Todavia, custa-se a crer que monta significativa de recursos teria sido aplicada na sinalização de trânsito, visto a precariedade ou total ausência dela em diversas vias públicas do Município.

Outro aspecto perplexo concentra-se na abordagem do item III do Of. 39/GAB12/2014. Em análise a resposta parcialmente concedida ao Requerimento de Informações nº 137/13, verificaram-se ululantes oscilações, discrepâncias e inviáveis arrecadações, as quais podem ser observadas ao longo dos relatórios de arrecadação da ZERo constantes da manifestação da Secretaria Municipal de Ordem e Mobilidade Urbana, conforme trecho ilustrativo destacado dos questionamentos oriundos do ofício legislativo, o qual é indispensável transcrever:

“a) de valores arrecadados dia após dia ou, no caso de 2014, mês a mês, constante dos relatórios anexos a resposta ao citado requerimento;

* Em 2009

25/11/2009 (Arrecadação nº 0000257/2009) – R$ 2.000,00

26/11/2009 (Arrecadação nº 0000258/2009) – R$ 480,00

27/11/2009 (Arrecadação nº 0000259/2009) – R$ 160,00

30/11/2009 (Arrecadação nº 0000260/2009) – R$ 2.240,00

* Em 2010

29/10/2010 (Arrecadação nº 0000334/2010) – R$ 560,00

03/11/2010 (Arrecadação nº 0000345/2010) – R$ 40,00

05/11/2010 (Arrecadação nº 0000348/2010) – R$ 85,32

08/11/2010 (Arrecadação nº 0000349/2010) – R$ 2.160,00

*Em 2011 (Ressalte-se que o Município estava sob impacto imediato da maior tragédia climática da história do país nas datas que se seguem, especialmente em 12 de janeiro, dia de fato da tragédia, e 13 de janeiro, quando qualquer ação pública ou particular de rotina de trabalho era inviável, pois se tratava de situação coletiva extraordinária)

11/01/2011 (Arrecadação nº 0000013/2011) – R$ 680,00

12/01/2011 (Arrecadação nº 0000015/2011) – R$ 840,00

13/01/2011 (Arrecadação nº 0000017/2011) – R$ 1.120,00

(...)

25/02/2011 (Arrecadação nº 0000080/2011) – 5.480,00

Esclarecendo ainda:

Como se observa, em uma sequência lógica de datas — 11, 12 e 13 de janeiro — não há as arrecadações de n.o 0000014 e de n.o 0000016.

Especialmente no contexto fático do Município na ocasião, se efetivamente existiram, a que elas se referiram?

b) de diversas lacunas entre datas e números de registros de arrecadação dos documentos acostados a resposta ao requerimento;:

c) bem como da existência de valores com centavos “quebrados”, visto que são inexistentes nas faixas de preço da ZERo, cujos valores eram e são “redondos”.

Além dessas evidentes inconsistências, a resposta ao Requerimento de Informações nº 137/2014 trouxe a informação do montante arrecadado pelo estacionamento rotativo de novembro de 2009 a março de 2014. Trata-se de R$ 1.060.240,00 (um milhão, sessenta mil, duzentos e quarenta reais) “redondos”. Todavia, ressalte-se que, ao ser comparado aos somatórios das cópias das tabelas acostadas a resposta ao requerimento mencionado, os valores em nada coincidem, inclusive se se considerar a inconsistente relação de várias arrecadações em centavos “quebrados”, conforme exemplificado no item anterior.

Ainda em ação parlamentar fiscalizatória, o Representante convidou os vereadores Cláudio Damião e Zezinho do Caminhão para acompanhá-lo em diligências a estabelecimentos de venda da ZERo, no final do ano de 2014.

A apuração foi estarrecedora. Supunha-se que houvesse um controle na distribuição de talões e que posteriormente era arrecadado dos estabelecimentos de venda o montante arrecadado, já com o desconto pelo processo de venda, de modo formal, o que também ensejaria demandado processo de acompanhamento e fiscalização, Entretanto, constatou-se processo diverso.

Os talões eram previamente vendidos aos estabelecimentos comerciais, o que já garantia, em tese, a arrecadação do Poder Executivo, a despeito de ter ou não processo de fiscalização por parte dos agentes de trânsito.

Identificou-se também falta de controle adequado e de padrão definido no processo de aquisição dos talões pelos estabelecimentos credenciados, cujos representantes na ocasião alegaram que faziam solicitação ao órgão público, inclusive por telefone, quando demandavam talões. Todavia, como apurado pela comissão de vereadores, a forma de pagamento mostrou-se estranha e curiosamente bem diversa: 1) alguns afirmaram que os talões eram adquiridos na própria sede do órgão público; outros afirmaram receber os talões do órgão, através de funcionário publico, no próprio estabelecimento comercial, após pagamento de boleto em rede bancária credenciada; outros, por fim, alegaram receber os talões no estabelecimento mediante o referido funcionário do órgão, que fazia a cobrança em “dinheiro vivo”, recebido do comerciante e abrigado em uma mochila, situação que configura flagrante e indevida prática de manipulação de recurso público, sem as devidas formalidades e despida de necessário controle e fiscalização.

Nesse sentido, leva-se a crer que a ausência de padrão adequado, nos moldes do necessário rigor e transparência públicos, em processo misto, uma vez que nesse contexto é incompreensível do ponto de vista da legalidade e de demais princípios da Administração Pública, separaria parte da arrecadação em processo lícito e formal, como que assegurando a aparência de plena atividade de aquisição de receita pública, entretanto, na periclitante variedade de modos de operação, outra significativa parte atenderia à ilicitude, em injustificável informalidade, criando, indevidamente, mecanismo frágil de controle e fiscalização, sujeito ao desvio de verba pública, o qual carece de processo mais apurado de investigação.

Além de provavelmente concorrer para a explicação de ausência de coincidência entre o valor total informado de R$ 1.060.240,00 e o valor dos somatórios das cópias das tabelas acostadas a resposta ao Requerimento de Informações nº 137/14, esse modus operandi revela forte possibilidade de que a arrecadação total da ZERo chegada aos cofres públicos seja significativamente aquém do valor potencialmente arrecadável.

Se se considerar R$ 12 a arrecadação de cada vaga por dia, 26 dias por mês:

Na suposição de haver 900 vagas: se cada vaga possui receita de 12 horas/dia e se considerar a arrecadação media de cada vaga em R$ 12/dia.

Assim, por dia, a arrecadação poderia chegar a R$ 10.800,00; por mês R$ 280.800,00; por ano R$ 3.369.600,00. Em 40,5 meses, ter-se-ia arrecadação de R$ 11.372.400,00.

Na suposição de haver 600 vagas: se cada vaga possui receita de 12 horas/dia e se considerar a arrecadacao media de cada vaga em R$ 12/dia.

Assim, por dia, a arrecadação poderia chegar a R$ 7.200,00; por mês R$ 187.200,00; por ano R$ 2.246.400,00. Em 40,5 meses, ter-se-ia arrecadação de R$ 7.581.600,00.

Se se considerar R$ 6,00 a arrecadação de cada vaga por dia, 26 dias por mês:

Na hipótese de haver 900 vagas: se cada vaga possui receita de 12 horas/dia e se considerar a arrecadação media de cada vaga em R$ 6,00/dia.

Assim, por dia, a arrecadação poderia chegar a R$ 5.400,00; por mes R$ 140.400,00; por ano R$ 1.684.800,00. Em 40,5 meses, ter-se-ia arrecadação de R$ 5.686.200,00.

Na hipótese de haver 600 vagas: se cada vaga possui receita de 12 horas/dia e se considerar a arrecadacao media de cada vaga em R$ 6,00/dia.

Assim, por dia, a arrecadação poderia chegar a R$ 3.600,00; por mes R$ 93.600; por ano R$ 1.123.200,00. Em 40,5 meses, ter-se-ia arrecadação de R$ 3.790.800,00.

Ademais, os oscilantes valores, ora muito baixos, ora muito elevados, em datas muito próximas ou em situação inviável de arrecadação ou lançamento em sistema, não conferem com os valores pagos pelos comerciantes pelos talões, conforme pode ser verificado nos relatórios de arrecadação constantes da resposta ao Requerimento de Informações n.o 137/14. Dessa forma, todas essas expressivas inconsistências trazem a lume a necessidade de apurar a credibilidade dos documentos enviados ao Poder Legislativo.

Por fim, perante a presente manutenção de placas informando a vigência da ZERo e de talões constando Autran, já extinta pela Lei Complementar n.o 79/13, com verso em que descreve o já revogado Decreto Municipal nº 180/09, fica evidente, alem de outros aspectos relativos a (i)legalidade do referido sistema, a falta de planejamento do Poder Executivo em licitar, no segundo semestre de 2013, paralelamente a processo de Reforma Administrativa, aquisição de talões em número suficiente para não se esgotarem, pelo menos, até este exercício de 2015.

 

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