Little Girl Blue

sábado, 04 de outubro de 2014

Meu nome não é Blue. Blue não é sobrenome nem nada. Foi o fim do Orkut, somado ao tema deste Light, que me fizeram viajar pela década de noventa, quando eu ainda não era a Blue. Eu, criança, esperando o próximo episódio de Eek! The Cat ou saboreando a ansiedade que só as crianças de 90 puderam sentir: pela aparição do Mestre dos Magos ou do Capitão Planeta. Eu vivi os carrinhos de rolimã. As pipas. E sobrevivi aos Backstreet Boys.

Até que o Nintendo chegou, no aniversário da minha irmã. Claro, eu conhecia videogames, meus primos tinham, os filhos ricos das clientes de mamãe tinham, mas ainda era abstrato demais pra mim. Até um dia desses não podíamos nem colocar no Topa Tudo Por Dinheiro e, de repente, Mario Bros tomou o espaço da nossa sala. Passávamos dias nos revezando, minha irmã e eu, entre os irmãos Mario, Aladdin e Top Gear. Do batente da porta, vinham os suspiros maternos, a cada quinze minutos, enquanto nossas pipas mofavam no quintal.

Mesmo ela se deixou vencer algumas vezes e jogava com a gente. Era o modo dela de mostrar que estava ali. Preocupada ao extremo, passou a preferir mesmo que a gente ficasse em casa, que não ficasse zanzando por aí à toa. O mundo era perigoso demais. E eu, que tinha recentemente me livrado das minhas barbies — todas tinham nomes que começavam com V: Valéria, Valentina, Vera, Verônica e Vivian, mas só a Valentina era da Estrela —, era muito suscetível ao perigo. Talvez viver paralelamente outra vida em outro mundo não facilitasse as coisas para o meu lado.

Nunca passei do castelo 3 no Mario Bros, talvez videogame não fosse lá o meu dom. Impressionada mesmo eu fiquei foi com o computador. Aquilo era outro mundo! Quase perdi meu primeiro namoradinho para o Doom. Fiquei horas no Word, escrevi muito! Usei e abusei da internet discada. Baixei músicas pelo Emule, fiz MSN. E tentava bater meus recordes no Paciência Spider, era o máximo que eu sabia jogar.

Aí, uma coisa qualquer soou no ouvido da mamãe. A internet é perigosa demais. Ela não me deixou fazer um Orkut com o meu próprio nome. Como eu gostava muito de Janis Joplin — um dos muitos gostos que aprendi com Tatiana, a melhor das amigas da década de 90 e, agora, também dos anos 2000 —, usei o nome de uma música pra compor um personagem, como num jogo de RPG. Little Girl Blue. Um nome perfeito para um perfil. Que depois virou Ana Blue, para um concurso de poesia. E agora, é a Ana Blue que vos escreve, meio torto, meio sem saber o que dizer sobre videogames. Só os joguei na infância, não tenho memórias passadas, nem aspirações futuras. Só uma vaga lembrança de esperar ansiosamente minha vez de jogar, tanto quanto esperava que o Mestre dos Magos aparecesse. A persona que não criei em nenhum jogo, criei na internet. Eu podia ser alguém, afinal.

Dei um Playstation ao meu filho, uns anos atrás. Dividi em várias vezes no cartão, veio com jogos e consoles originais. Uma ou duas vezes cheguei a acompanhá-lo, mas sempre perdi todas as partidas de todos os jogos que jogamos. Por burrice mesmo, aquele monte de botão não me diz nada. Prefiro um bom jogo de sueca no baralho, olho no olho. Hoje não tenho nem notícias sobre o dito-cujo, nem sobre os CDs de jogos, ele já não pede mais pra jogar. Na nossa sala quente, ele insiste em levar a Peppa, a porquinha da índia, para passear no campinho perto de casa. O mundo é perigoso demais, eu sei, mas aí eu olho para o céu. Vejo pipas. As pessoas ainda soltam pipas. 

Boto a porquinha na varanda, sentamos os dois no chão. E finalizamos a tarde quente jogando Escopa. No baralho.

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Ana Blue

Blue Light

O que dizer dessa pessoa que a gente mal conhece, mas já considera pacas? Ana Blue não tem partido, não tem Tinder, é fã de Janis Joplin, parece intelectual mas tem vocação mesmo é pra comer. E divide a vida dela com você, todo sábado, no Blue Light.

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