Vereadores explicam por que defendem CPI na Saúde

domingo, 22 de março de 2015
por Jornal A Voz da Serra
Vereadores explicam por que defendem CPI na Saúde
Vereadores explicam por que defendem CPI na Saúde

Desde que foi proposta em dezembro de 2014 — e derrubada com a alegação da proximidade do recesso legislativo —, a chamada CPI da Saúde vem agitando os bastidores da política friburguense de maneira bastante intensa, ainda que discreta. Parlamentares até então rompidos com o governo têm sido convidados a dialogar, num esforço do Executivo para evitar que a Comissão Parlamentar de Inquérito obtenha as sete assinaturas necessárias para sua instauração. Em 2014, vale lembrar, nove parlamentares apoiaram a investigação.

Recentemente, no entanto, a medida deixou a sombra dos bastidores e ganhou forte apoio popular, com o respaldo de mais de 3.500 assinaturas e cerca de 60 depoimentos. Reconhecendo, portanto, que o assunto é de interesse da população, A VOZ DA SERRA abre espaço para que os próprios vereadores possam esclarecer a natureza da proposta.

 

A VOZ DA SERRA: Vereador Cláudio Damião, o senhor propôs a CPI da Saúde no fim de 2014, retomando uma ideia proposta pelo vereador Christiano Huguenin um ano antes. A grande pergunta que se faz em relação à CPI é a seguinte: ela está sendo proposta com intenções eleitoreiras, para o senhor se promover, ou ela se justifica em defesa dos interesses da população?

Cláudio Damião: A gente vem trabalhando esse tema há algum tempo através de requerimentos de informação. A proposta reúne elementos de 2013, 2014 e 2015 que reforçam e justificam a necessidade de uma CPI, que pode ser proposta e montada a qualquer dia, qualquer hora e a qualquer tempo, porque é função de vereador fiscalizar, e isso não muda no período próximo a uma eleição ou em qualquer outro período. O vereador tem a obrigação de fiscalizar até o último dia de seu mandato. Dito isso, a CPI se justifica por todos os elementos que são apresentados. Falta de medicamentos, falta de exames, falta de cirurgias, falta de assistência aos munícipes nas mais diversas áreas da Saúde em Nova Friburgo — as unidades de Saúde estão precariamente mantidas, não há insumos para o atendimento. Nós tivemos crise por falta de papel higiênico, álcool gel, toalha de papel, soro fisiológico, dipirona, AS... Quer dizer, se isso não é uma crise na Saúde, eu não sei que nome o governo vai dar a isso. E a afirmativa do Executivo é de que não faltam recursos — não sou eu quem diz isso, é o próprio Executivo que diz estar investindo na Saúde. Ou seja, eles transformaram a Saúde num saco sem fundo. Porque se eles investem R$ 50 milhões a mais do que os 15% obrigatórios de receita própria, conforme informado pelo secretário de Finanças, Juvenal Condack, então o governo está cobrindo um rombo gigantesco de ineficiência na saúde pública do município. Isso requer investigação, isso requer fiscalização. E não há que se argumentar que se reduziu o repasse do governo federal, porque eu não estou falando apenas dos últimos meses, e sim de 2013, 2014 e também do início de 2015. Além disso, eu fui à página do governo federal conferir os repasses e constatei que, em janeiro do ano passado, o governo repassou R$ 4,3 milhões, enquanto em janeiro deste ano repassou R$ 6,3 milhões. Dois milhões a mais. As reduções cabem a outras fontes, como os royalties, mas por outro lado ele passa a receber Cide [Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico], de modo que há equilíbrio nessas contas. A CPI tem toda a sua formalidade cumprida, e não é diferente da CPI proposta em 2014, que nove vereadores assinaram. É a mesma, inclusive com mais elementos ainda. Se havia um convencimento de assinatura em 2014, essa convicção deveria estar mais reforçada ainda em 2015, quando estão sendo cumpridos os prazos que foram apontados como impedimento em 2014. Desde então juntei mais elementos, peguei assinaturas nas ruas, colhi o depoimento de 56 pessoas, e que embasam a minha argumentação com relação à necessidade de propositura de uma CPI.


Comenta-se bastante nos bastidores que esses tipos de problema, como falta de remédio ou atraso na realização de cirurgias, não justificam, por si só, a realização de uma CPI. A pergunta que se faz então é a seguinte: existe falta de transparência em relação aos processos que conduzem a esses problemas, apesar de todos os investimentos feitos?

Cláudio Damião: A comissão parlamentar não é aplicada somente em casos de corrupção, como alguns disseram. Ela também se aplica a casos de omissão e negligência, e esse é um escandaloso caso de omissão e negligência. Pessoas morrem porque os equipamentos médicos não recebem a devida manutenção, porque demoram a ter o atendimento adequado — são dias, semanas, meses aguardando cirurgia, às vezes internados. Colhi relatos de idosos que passaram tempo demais hospitalizados, e acabaram indo a óbito em decorrência de uma simples fratura. Então, eu não estou afirmando que existe corrupção: nós vamos saber se existe ou não ao fim dos trabalhos. 


O senhor é vereador há seis anos, e tem a função de fiscalizar. Atualmente existem momentos específicos da administração, entre o recebimento dos recursos e sua aplicação final, que não estão completamente esclarecidos, e por isso justifiquem a abertura de um processo investigativo? Em caso positivo, existem requerimentos de informação que não tenham sido respondidos ou aprovados?

Cláudio Damião: Eu fiz requerimentos de informação que ficaram negligenciados pelo poder público; alguns não foram respondidos, outros tiveram aprovação negada pela própria base governista na Câmara. Mas o fato é que quando as respostas vieram — e só vieram em razão da proposta de CPI —, não responderam aquilo que foi perguntado. É colocado um biombo em torno do problema. É óbvio que falta transparência, ou do contrário não haveria a necessidade de propor uma CPI. Eu visitei a farmácia junto com outros vereadores, depois voltei lá e a encontrei absolutamente abandonada, as paredes todas mofadas, contaminando o ambiente hospitalar. A coisa só veio a ser resolvida depois das denúncias feitas pelo jornal e inclusive da ação do Ministério Público. E esse é outro problema, porque tudo acaba sendo empurrado para a Justiça. Nós temos a obrigação de legislar, de acompanhar, de fiscalizar, e nós não podemos ficar judicializando todos os problemas da cidade que são de cunho administrativo e político. A meu ver, as razões já estão muito bem colocadas. Cabe agora a gente conseguir aprovar e instaurar essa CPI para que esses problemas sejam todos trazidos às claras, pois eles estão muito escondidos nos bastidores do Executivo, da Secretária de Saúde e das instâncias que coordenam a Saúde do município.


Vereador Zezinho do Caminhão, o senhor é um dos parlamentares que têm muitos requerimentos de informação sem resposta, algum deles ligados à saúde. No ano passado o senhor militou diretamente pela UPA em Olaria, e ajudou na elaboração de um dossiê com muitas assinaturas também. Qual a sua visão a respeito da CPI? O senhor também identifica processos que não estejam suficientemente claros e que o senhor gostaria de ver sendo investigados?

Zezinho do Caminhão: Primeiro eu gostaria de deixar bem claro que nós estamos atravessando o pior momento da Saúde em Nova Friburgo. A pasta sempre foi complexa, sempre teve problemas, mas nós nunca passamos por nada igual à realidade encontrada nesses últimos três anos. Fiz um requerimento de informação e consegui levantar que, somente em 2013, foram mais de 700 óbitos. A respeito de 2014 eu ainda não consegui fazer esse levantamento, mas farei nos próximos dias. Aliás, a dinâmica dos requerimentos de informação tem sido uma luta muito grande, a começar pela própria dificuldade de aprovação dentro da Câmara. Essa é a principal ferramenta que nós temos para fazer a fiscalização, e quando o requerimento diz respeito a questões relacionadas com a Saúde, a orientação é não deixar passar. E os poucos que passam geralmente ficam sem resposta. Posso citar, por exemplo, o que fiz a respeito da terceirização da alimentação no Raul Sertã. Nesse episódio, o primeiro contrato de terceirização já estabelecia um valor absurdo, próximo a R$ 3,5 milhões. Em seguida esse valor subiu para praticamente R$ 6 milhões, e atualmente já está próximo a R$ 7 milhões. Além disso, apesar desses valores tão altos, existe uma grande insatisfação das pessoas em relação à alimentação. Chegou a haver, inclusive, um dia de greve, pois os funcionários não estavam recebendo. E a resposta desse requerimento nunca chegou ao meu gabinete. Por tudo isso está muito claro que alguma coisa precisa acontecer na nossa Saúde. Até porque a lei diz que investir 15% do orçamento seria o suficiente para garantir um sistema de saúde satisfatório — e esse patamar não foi estabelecido aleatoriamente, mas sim a partir de vários estudos — e por aqui o próprio secretário afirma que a cidade está investindo cerca de 40% em Saúde, e ainda assim continuamos mergulhados nesse quadro de ineficiência total. Existe uma deficiência muito grande no quadro de especialistas, é uma luta conseguir marcar uma consulta. E quando a pessoa consegue e o médico faz um pedido de exame, começa uma nova guerra para conseguir marcar o exame. Muitas vezes, quando finalmente surge a vaga, o pedido já perdeu a validade e todo o processo tem que ser reiniciado. Observe que nós vivemos numa cidade com mais de 200 mil habitantes, e que atende aos moradores de cidades vizinhas. Ainda assim, nosso CTI tem apenas seis leitos! Por que temos só seis leitos, e por que isso vem se arrastando dessa forma há tanto tempo? Como explicar as obras que são iniciadas e nunca têm um fim, como aquela localizada acima do CTU? Ou o banco de sangue, que até hoje não foi resolvido, ou o posto de Amparo, que continua se arrastando... Quer dizer, não temos o tratamento preventivo, as cirurgias eletivas não acontecem... Lembro que, logo que iniciei meu mandato, fiz um levantamento e descobri que havia 164 pessoas na fila para cirurgias eletivas. Cerca de um ano depois, já no final da gestão do Dr. Dagoberto José da Silva [ex-secretário de Saúde], eu fiz a mesma pergunta a ele, e essa fila havia crescido para mais de 270 pessoas. Como Cláudio Damião já disse, não se trata de suspeitar que exista corrupção. Pode até ser que no final a gente chegue a alguma forma de corrupção, porque precisamos averiguar esses contratos de manutenção emergencial. Não sabemos como eles são feitos, nem por que os equipamentos tantas vezes continuam quebrados, deixando a população sem atendimento. E eu acredito que a melhor forma de esclarecer tudo isso é através da CPI, uma vez que ela assegura ferramentas de fiscalização, permite que sejam feitas convocações, e as pessoas acabam tendo mais responsabilidade na hora de prestar as informações para uma CPI. 


De acordo com as respostas dos senhores, portanto, seria correto assumir que essa proposta de CPI não foi motivada por indícios de corrupção, mas sim porque tem sido difícil fazer o trabalho de fiscalização e acompanhamento através dos caminhos protocolares, como os requerimentos de informação e o próprio diálogo com o Executivo?

Cláudio Damião: Na verdade, quem nos leva a pensar em corrupção é o governo. Porque se ele não temesse uma CPI — e ele não deveria temer — não teria motivos para fazer tanta pressão em cima dos vereadores para que votem contra ou para que não assinem. O fato é que há um claro receio por parte do Executivo com relação à instauração de uma CPI. E por que isso? Em outubro de 2013 o vereador Christiano Huguenin foi para a tribuna e fez um discurso bastante contundente, que foi registrado em vídeo, no qual dizia que era hora de desmascarar essa quadrilha que está instalada dentro desse serviço público, e falou ainda em superfaturamentos e desvios de verba. Eu não falei isso, fiz apenas os requerimentos de informação. Assim como o vereador Zezinho, que tinha também uma proposta de CPI praticamente pronta e não deu entrada à época. A verdade é que nós tivemos muito cuidado com tudo isso, e entramos com o pedido de CPI somente no fim de 2014, após dois anos de governo. Ao longo desse período visitamos diversas vezes as unidades de saúde, fizemos inúmeros requerimentos de informação, e nada acontece! Tentamos chamar um secretário ao plenário para prestar esclarecimentos e a Câmara negou! Onde já se viu negar a presença do secretário de Saúde à Câmara para dar explicações? É o próprio governo que nos leva a indagar por que está escondendo tanto esse tipo de informação, mas em nenhum momento eu afirmei que existe corrupção. Se isso ficar comprovado em algum momento, será somente no final de um trabalho sério que a comissão eventualmente venha a realizar. Isso, claro, dependendo também de quem vai participar dessa CPI, e é importante deixar bem claro isso. Se ela for composta apenas pela base de governo, eu duvido que vão querer fiscalizar. Se não querem assinar, vão querer fiscalizar? 

Zezinho do Caminhão: É verdade, a proposta da CPI foi motivada pela falta de transparência. Como eu já coloquei, os requerimentos não são respondidos, e nas vezes em que recebemos respostas elas são evasivas e escorregadias. Então, na verdade, nós estamos sendo empurrados para esse caminho da CPI em busca de transparência e de uma justificativa que possa explicar esse momento tão caótico. A insatisfação entre os funcionários é imensa, e isso pode ser comprovado pela quantidade de pedidos de demissão, principalmente entre médicos especialistas. A maior parte dos funcionários está insatisfeita com a falta de condições mínimas para que possam trabalhar. Quem anda pelo Raul Sertã não tem a impressão de estar num hospital, mas sim numa ceva. Se alguém questionar minha fala, eu me proponho a ir junto visitar. Tudo quebrado, o médico sendo obrigado a se sentar numa cadeira soldada de qualquer maneira, às vezes faltando até pedaço. Faltam macas, cadeiras de rodas... Há carência de funcionários, muitos equipamentos estão deteriorados. Outro problema gravíssimo é a nossa farmácia. As pessoas são cadastradas com uso contínuo de remédios e esses medicamentos estão em falta. Muitos deles são caríssimos, e as pessoas acabam vendendo bens ou fazendo empréstimos consignados para manter viva uma pessoa da família. Fazem vaquinhas, às vezes se tornam pedintes na cidade mostrando a receita do remédio. É uma situação absurda de descaso, de omissão, e nós precisamos entender por que está acontecendo isso. Eu já tinha um pedido pronto de CPI que acabei não protocolando graças à nomeação à época do secretário Luis Fernando, mas apesar de todo o trabalho dele e de outras pessoas, a verdade é que a situação continua a piorar.


Apesar de todos os motivos elencados, vereador Zezinho, o senhor ainda não assinou a proposta de CPI. Por quê?

Zezinho do Caminhão: Eu ainda não assinei porque assumi um compromisso com o prefeito Rogério Cabral. Ele me chamou para argumentar contra a CPI, e eu disse que estava propenso a assinar de forma favorável, mas antes iria me aprofundar nos argumentos propostos. O prefeito me pediu também que lhe desse o direito do contraponto, antes de assinar. Eu não sou obrigado a assumir esse tipo de compromisso, mas sou da moda antiga: se tratei, eu vou cumprir. Na verdade eu acho que ela está bem fundamentada, tem os argumentos necessários para se instaurar, mas vou dar o direito ao prefeito de me apresentar o contraditório. Após ouvi-lo, aí sim vou assinar ou não assinar. Estou propenso a assinar, e lembro até de outro problema, que esqueci de mencionar anteriormente. Ao fim de 2013 a Câmara devolveu mais de R$1,5 milhão aos cofres públicos, recomendando que o valor fosse investido na compra de ambulâncias. Pois bem, o tempo foi passando e eu fiz um requerimento de informação para saber se essas ambulâncias já haviam sido compradas. Recebi como resposta que o Executivo concordou no direcionamento da verba, e que estaria sendo realizada a licitação. O que é uma grande farsa, e até hoje não compraram as ambulâncias. Provavelmente esse dinheiro já foi utilizado em outras demandas, uma vez que esses recursos não dependiam de projetos nem tratam de subvenção ou de convênio, e já houve tempo mais que suficiente para que tivesse sido feita essa compra. 

 

Confira a lista de vereadores que votaram a favor da CPI da Saúde em dezembro de 2014:

l Cláudio Damião

l Grimaldino Narciso (Cigano)

l Gabriel Mafort

l José Sebastião Rabello (Zezinho do Caminhão)

l Pierre Moraes (Professor Pierre)

l Renato Abi Ramia

l Ricardo Figueira

l Wanderson Nogueira*

l Wellington Moreira

* O vereador Ceará assumiu o lugar de Wanderson Nogueira após sua eleição para Deputado Estadual.

 

Vereador Cigano: "Seria a favor da CPI mesmo se fizesse parte da base governista”

"Seja qual for o governo, em primeiro lugar ele precisa ter transparência. Estou em meu terceiro mandato e lá atrás, em 2001 e 2002, testemunhei um momento conturbado; muitos requerimentos de informação, várias CPIs em vias de serem instauradas. E eu fui líder de governo de uma administração que era a favor da transparência, de que nós votássemos a favor de todos os requerimentos de informação. Era a orientação oficial. Inclusive o nosso prefeito Rogério Cabral participou desse governo junto comigo. Eu era do governo e votei sempre a favor de requerimentos de informação, de CPI... Porque se o governo não tem nada a esconder, então lá no fim a CPI vai até ajudar o governo. No início deste governo houve denúncia na UPA. Estive lá, junto com vários vereadores — inclusive o próprio Dr. Luis Fernando, atual secretário de Saúde — e chegando lá pudemos comprovar que as denúncias eram verdadeiras. E nós fizemos a investigação, e o problema foi corrigido. É assim que as coisas funcionam e eu não sei por que ter medo de CPI. Assinei a proposta no fim do ano passado, e desde então as coisas não mudaram. Recebo inúmeras demandas no meu gabinete de reclamações ligadas à Saúde. Essa semana mesmo levaram ao meu gabinete pedidos de exames com mais de seis meses de espera, e era para uma pessoa aposentada que acabou tendo que pagar cerca de R$ 600. É hora de ver o que está acontecendo, se é falta de gestão ou qualquer outra coisa. Recebi a documentação da CPI, estou lendo com atenção, e as denúncias que estou encontrando no texto são as mesmas que recebo todos os dias. É preciso, sim, que haja uma investigação mais profunda para ver onde é que estão os erros. Não tem ninguém apontando que está havendo roubo. Mas é preciso que seja feita a investigação, e eu a apoiaria mesmo se fizesse parte da base governista, porque acredito que ela pode ser positiva para o governo, no fim das contas.




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