Antonio Pernambuco: o primeiro escravo - Parte 3

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Os escravos fugiram no dia primeiro de janeiro de 1850, refugiando-se nas imediações da fazenda. Recusavam-se a voltar ao trabalho no eito enquanto o administrador não fosse demitido pelo Comendador Boaventura. Conforme o depoimento de um dos escravos no processo judicial, o grupo fugiu porque não suportava mais os maus-tratos, castigos e ameaças do administrador João Antônio. Permaneceram três meses nas matas da fazenda alimentando-se de milho e abóbora que colhiam na roça da propriedade. O líder dos escravos, Antônio Pernambuco, tinha como objetivo refugiar-se nas matas e não fugir, aquilombando-se. Sua intenção era voltar ao trabalho na fazenda, mas sem as perseguições e os rigores praticados pelo administrador. Articulado, desejava chamar a atenção do comendador, proprietário que não residia na fazenda e nada sabia do que se passava em relação às sevícias sofridas pelos seus escravos. É significativo que Antônio Pernambuco tenha declarado no processo que serviria somente ao comendador, não se sujeitando mais às ordens do cruel administrador.

Informado de que os escravos fugidos estavam nas proximidades, o administrador organizou dois grupos para fazer rondas pela fazenda. Dois feitores e um ferreiro faziam parte de um dos grupos na ronda. João Antônio ordenou que fechassem na senzala os demais escravos e dera ordens para desferir foiçadas em qualquer um que não se identificasse. Paralelamente, o escravo Moisés percorria a mata da fazenda a mando do Comendador Boaventura, com ordem de encontrar os escravos fugitivos e convencê-los a retornarem pacificamente à fazenda. Os escravos decidiram voltar, mas Pernambuco não deixou, pondo-se no caminho e ameaçando aquele que se animasse a dar um passo. No entanto, chovia de tal maneira que Pernambuco teve que retroceder. O esgotamento pela fome e pela chuva fez com que os escravos retornassem à fazenda para tomar padrinho, ou seja, alguém que intermediasse o retorno deles à fazenda sem sofrerem os rigores das penas infligidas aos fugitivos. No retorno à sede da fazenda da Ponte das Tábuas, exatamente no dia 13 de fevereiro de 1850, os escravos encontraram um dos grupos da ronda. Chegando próximo ao moinho da fazenda, viram um vulto que supunham ser de branco, pela maneira de falar, que indagou-os perguntando quem eram. Era o ferreiro que fazia ronda na fazenda. Antônio Pernambuco, armado com uma foice, investiu contra o ferreiro aplicando-lhe algumas foiçadas. Logo após, outros escravos puseram-se a dar foiçadas no ferreiro movidos pelo exemplo de Pernambuco. Parece que os escravos fugitivos teriam matado o ferreiro julgando que matavam o administrador. Fugindo do local, toparam com dois homens da ronda, o feitor-escravo e o sobrinho do administrador, atacando-os, dando-lhes pancadas, uns com paus, outros com foices. Porém, alguém pediu por eles, que não os matasse, e na confusão entre os escravos de mata ou não mata, ambos conseguiram fugir. Os escravos voltaram para o mato até serem encontrados pelo escravo Moisés, que trazia recado do Comendador Boaventura para retornarem, dando a notícia que João Antônio já não se achava mais na administração da fazenda. Como o administrador fora demitido pelo comendador, os escravos fugitivos retornaram à fazenda. Entre o dia da morte do ferreiro e a volta dos escravos passaram-se 15 dias. O alferes comandante do destacamento e seus soldados foram buscá-los na fazenda.

O administrador João Antônio declarou ao delegado de polícia de Nova Friburgo que os escravos sempre se portaram bem, obedecendo-o. Porém, nos últimos tempos, "os pretos” andavam arredios e não julgava que era tratar mal castigá-los quando mereciam, fazendo-os trabalhar. Naquela época, a classe senhorial vivia sob o medo de insurreições escravas: A revolta dos escravos no Haiti e a insurreição dos escravos muçulmanos maleses na Bahia, para ficar em alguns exemplos. Em razão de ter havido um homicídio, um processo criminal foi instaurado indo a júri popular na Câmara Municipal de Nova Friburgo. Antônio Pernambuco e outros dois escravos foram condenados pela morte do ferreiro à pena de galés perpétuas, ou seja, trabalhos forçados em obras públicas. Pernambuco, por ter incitado os escravos à fuga, receberia ainda 400 açoites, aplicados na cadeia da vila de Nova Friburgo. 

Na história da escravidão no Brasil, os escravos eram proibidos, por lei, a terem qualquer instrução, sendo todos analfabetos. Logo, não possuímos registros de suas memórias e de suas "vozes”. No entanto, em processos criminais podemos "ouvi-los”, em seus depoimentos. No crime da Ponte das Tábuas, Antônio Pernambuco, o primeiro escravo, falou: "Meus parceiros, vamos fugir, porque o senhor João Antônio quer dar cabo de nós todos”.   


Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora

de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook "História de Nova Friburgo”


TAGS:
Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.