IMPRESSÕES - 17/01/2015

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

TUDO ESTÁ INTERLIGADO

"O homem não teceu a teia da vida, ele é dela apenas um fio, o que fizer à teia, estará fazendo a si mesmo.” (Capra, 1994)


Eu sou Charlie, eu não sou somente Charlie, eu sou o islamismo, o cristianismo, o budismo, o judaísmo. Não sou somente a França, sou também a Nigéria, sou a Siria. Sou a humanidade. (AF) 


"Matar em nome de Deus é converter Deus num assassino” (José Saramago)


Liberdade de expressão

A  liberdade de expressão, sobretudo sobre política e questões públicas, é o suporte vital de qualquer democracia. Os governos democráticos não controlam o conteúdo da maior parte dos discursos escritos ou verbais. Assim, as democracias têm muitas vozes exprimindo ideias e opiniões diferentes e até contrárias. Segundo os teóricos da democracia, um debate livre e aberto resulta geralmente que seja considerada a melhor opção e tem mais probabilidade de evitar erros graves.

Para um povo livre, governar a si mesmo deve ser livre para se exprimir — aberta, pública e repetidamente; de forma oral ou escrita. A liberdade de expressão é um direito fundamental, mas não é absoluto, e não pode ser usado para justificar a violência, a difamação, a calúnia, a subversão ou a obscenidade. As democracias consolidadas geralmente requerem um alto grau de ameaça para justificar a proibição da liberdade de expressão que possa incitar à violência, a caluniar a reputação de outros, a derrubar um governo constitucional. A maioria das democracias também proíbe a expressão que incita ao ódio racial, religioso ou étnico.

O desafio para uma democracia é o equilíbrio: defender a liberdade de expressão e de reunião e, ao mesmo tempo, impedir o discurso que incita à violência, à intimidação ou à subversão.


Noções do ódio

Um príncipe do Nepal, há cerca de 2500 anos, escreveu: "O ódio não pode nunca deter o ódio; somente o amor pode deter o ódio. Esta lei é antiga”. Como podemos interpretar esta frase?

Há um pressuposto segundo o qual não existem fracassos, existem apenas resultados. Deste modo, se fizermos algo e não formos bem-sucedidos, temos que fazer algo diferente. 

Substituir uma ação — ou pensamento de ódio — por uma de amor é o melhor caminho para modificar a situação. Isto porque carregar ódio é o mesmo que levar uma mochila pesada e mal cheirosa, que só pode causar dor. Quem carrega a mochila? Quem é portador de ódio. A melhor saída é deixar a mochila ou trocar o que há dentro por algo melhor. Quem não trocaria uma pedra por um diamante?

Este conselho não tem a pretensão de acabar com o ódio no mundo e, sim, fazer o ser humano pensar mais um pouco e a analisar a frase de Jesus, de que devemos amar nossos inimigos. Agindo assim, não teremos inimigos. O sentido radical da frase é de que, fazendo conforme, não teremos inimigos. Se amarmos alguém que nos dirige ódio, transformamos (pelo menos em nós) o outro em nosso amigo.

Com diz o psicólogo de religião Felipe de Souza, "o paraíso não se encontra somente em um lugar após a morte, ou então na mudança política, religiosa ou econômica. O paraíso também se faz presente aqui, no amor e no perdão”.

 

Controle da mídia

Após o massacre de dez funcionários da publicação semanal satírica Charlie Hebdo, as ruas de diversas cidades francesas foram tomadas por quase quatro milhões de pessoas no último domingo, 11, que marcharam em solidariedade às vítimas e suas famílias, contra o terrorismo e pela defesa da liberdade de expressão. Em Paris, a manifestação contou com a presença de dezenas de líderes mundiais andando de braços cruzados em nome desses valores. 

A hipocrisia pela demonstração de solidariedade às vítimas inocentes da Charlie Hebdo poderia, por exemplo, ser apontada logo de cara com a presença do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, que há menos de seis meses causou a morte de mais de duas mil pessoas em Gaza, cerca de 500 delas sendo crianças; mas como a organização internacional Repórteres Sem Fronteiras escreveu, eles ficaram "estarrecidos pela presença de líderes de países onde jornalistas e blogueiros são sistematicamente perseguidos” — citando alguns como o primeiro-ministro da Turquia, os ministros de relações exteriores do Egito, da Rússia, da Argélia e dos Emirados Árabes, além do presidente do Gabão.

Porém, um estudante da London School of Economics foi mais além: Daniel Wickham postou uma série de tuítes dando nome aos bois daqueles que andavam de braços cruzados em nome da liberdade de expressão, quando em seus próprios países eles não parecem tão preocupados em defendê-la — fato esse que não pode ser classificado como nada menos do que um show de hipocrisia, sendo que a mais flagrante foi a condenação de Raif Badawi, um blogueiro saudita, por "insultar o islã”: dez anos de prisão e 1.000 chibatadas em público, ao longo de 20 semanas — as primeiras 50 foram dadas na sexta-feira, 9, dois dias antes de o embaixador da Arábia Saudita marchar com outros defensores da liberdade de expressão.

 

Fábula

Raiva — ou Lyssa — Filha da Noite. Alguns a fazem uma quarta Fúria e se representa como as outras Fúrias, com serpentes assobiando-lhes sobre a cabeça e um aguilhão na mão. 

Furor — Divindade alegórica que se representava na figura de um homem carregado de cadeias e assentado sobre um montão de armas, como um furioso que queria espedaçar as prisões e que se arranca os cabelos. 

Fúrias — Também Eumenides, filhas do Inferno e da Noite. Eram três, a saber, Alecto, Megera e Tisiphone. Castigavam e flagelavam com serpentes aqueles que tinham mal vivido. Representam-se toucadas de cobras e tendo nas mãos serpentes e archotes.

(Dicionário da Fábula – Ed. Garnier – Paris)


Linha do tempo

"Por razões inexplicáveis, toda pessoa no mundo nasce com um buraco no meio do seu peito. Ainda que não seja desconfortável, é normalmente considerado indesejável e muitas pessoas tentam preenchê-lo com alguma coisa. Tem gente que preenche com religião, outros compram coisas e alguns colocam até outras pessoas. Eu deixo o meu como está, porque acho que se você correr contra o vento, no ângulo certo, ele faz um assovio eeeeeeeeee!” (Editorial Pensamento)

 

Je suis Charlie?

Confira abaixo a lista de Daniel Wickham, apontando 21 líderes mundiais e fervorosos defensores da liberdade de imprensa e expressão:

1) Rei Abdullah, da Jordânia, que no ano passado sentenciou um jornalista palestino a 15 anos na prisão com trabalhos forçados;

2) Primeiro-ministro Davutoglu, da Turquia, que prende mais jornalistas do que qualquer outro país no mundo;

3) Primeiro-ministro Netanyahu, de Israel, cujas forças [armadas] mataram sete jornalistas em Gaza no ano passado (ficando atrás apenas da Síria);

4) Ministro das relações exteriores Shoukry, do Egito, que além de prender jornalistas da Al Jazeera, deteve também o jornalista Shawkan por cerca de 500 dias;

5) Ministro das relações exteriores Lavrov, da Rússia, que no ano passado prendeu um jornalista por "insultar um funcionário do governo”;

6) Ministro das relações exteriores Lamamra, da Argélia, que prendeu o jornalista Abdessami Abdelhai por 15 meses, sem julgamento;

7) Ministro das relações exteriores dos Emirados Árabes, que em 2013, manteve um jornalista incomunicável durante um mês;

8) Primeiro-ministro Jomaa, da Tunísia, que recentemente prendeu o blogueiro Yassine Ayan por três anos, por ter "difamado o exército”;

9) Os primeiro-ministros da Georgia e Bulgária, ambos países que têm um histórico de atacar e bater em jornalistas;

10) O procurador-geral dos EUA, cuja polícia em Ferguson recentemente deteve e agrediu repórteres do Washington Post;

11) Primeiro-ministro Samaras, da Grécia, cuja tropa de choque agrediu e feriu dois jornalistas em um protesto em junho do ano passado;

12) Secretário-geral da Otan, que ainda precisa ser responsabilizado pelo bombardeio e assassinato deliberado de 16 jornalistas sérvios em 1999;

13) Presidente Keita, do Mali, onde jornalistas são expulsos por cobrirem abusos aos direitos humanos;

14)  Ministro das relações exteriores de Bahrein, segundo maior país que prende jornalistas no mundo (e também os torturam);

15) Xeique Mohamed Ben Hamad Ben Khalifa Al Thani, do Qatar, que condenou um homem por 15 anos por escrever o "Poema do Jasmim” — que criticava os governos do Golfo Pérsico no pós-Primavera Árabe

16) Presidente Mahmoud Abbas, da Autoridade Palestina, que prendeu diversos jornalistas em 2013 por "insultá-lo” no Facebook;

17) Primeiro-ministro Cerar, da Eslovênia, que condenou um blogueiro a seis meses de prisão por "difamação”, em 2013;

18) Primeiro-ministro Enda Kenny, da Irlanda, onde a "blasfêmia” é considerada um crime;

19) Primeiro-ministro Kopacz, da Polônia, que invadiu a redação de uma revista para apreender gravações que comprometiam o partido do governo;

20) Primeiro-ministro Cameron, do Reino Unido, onde as autoridades ordenaram a destruição dos documentos de Edward Snowden obtidos pelo The Guardian e os ameaçaram de processo;

21) Embaixador da Arábia Saudita na França. Os sauditas açoitaram publicamente o blogueiro Raif Badawi por "insultar o islã”.







TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.