Iñame, igname, yame: a festa do inhame

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

O colonizador português, que tinha como prática intercambiar produtos de suas colônias, trouxe o inhame do continente africano para o Brasil. O nome inhame tem origem vocabular na África Ocidental. Essa palavra, que significa comer, vem de ñame, iñame, igname, yame, yam, yams até chegar a inhame. Câmara Cascudo nos informa que o cardápio dos tupiniquins constava notadamente de inhames. A raiz que alimentava o brasileiro era a mandioca, mas o inhame era igualmente apreciado. Mas por que tanta ênfase no inhame? No século XIX, Macaé de Cima era conhecido como "terras dos inhames”. Além de medrar um tipo de café, o inhame era igualmente uma das culturas da região. Foi para lá que se dirigiram dezenas de famílias colonas suíças quando ficou evidenciado que a maior parte das terras do Núcleo Colonial eram impróprias para o cultivo. O inhame daquela região, tenro, cremoso, tem um sabor inigualável que fez jus ao nome: terra dos inhames. Felizmente, a tradição dessa cultura se manteve. Em Rio Bonito, zona rural de Nova Friburgo, pertencente ao distrito de Lumiar, é realizada anualmente a Festa do Inhame, me parece sempre no mês de agosto. Barracas, gincana, teatro, dança, apresentação da quadrilha local e exposição de produtos com a eleição do maior inhame produzido na região fazem parte da programação. Tive ocasião de experimentar essa iguaria em uma pesquisa de campo que fiz com a família Ouverney, descendentes de colonos suíços. O curioso é como esse produto é até hoje um substituto do pão nessa região. Durante a pesquisa observei que duas crianças, netos do casal Ouverney, chegaram à residência famintos e lhes foi dado um inhame cozido, frito na banha de porco. Foi quando experimentei essa iguaria! Nunca comi nada tão diferente e delicioso na minha vida. Com uma fina crosta proveniente da fritura, por dentro era tão cremoso que mal nos damos conta que estamos comendo simplesmente inhame. Nham, nham, nham, que repasto dos deuses! Essa região faz fronteira com Bom Jardim, que igualmente tem no inhame uma de suas atividades agrícolas. O município, mais precisamente no distrito de Barra Alegre, na década de 80 do século XX, foi reconhecido como o maior produtor mundial de inhame por hectare quadrado, tendo disseminado um modo de plantio que influenciou todo o país, para fausto de seus agricultores. Igualmente esse distrito organiza a "Festa do Inhame” e na última edição os moradores do vilarejo de Antônio elaboraram um caderno com receitas utilizando o inhame. Uma preciosidade! Inhoque de inhame com shitake e gorgonzola ou com quatro queijos, coxinha de inhame, pão de inhame, broa de inhame, pão caseiro de inhame, sorvete de inhame com manga e gengibre, cocada pintadinha de inhame, pudim de inhame com coco, beijinho de inhame, brigadeiro de inhame e bolo de inhame. Pude observar que os elaboradores das receitas eram em boa parte descendentes de suíços, a exemplo dos Ouverney e Tardin. O inhame trazido pelos portugueses da África encontraram no amanho da terra do interior fluminense condições favoráveis ao seu desenvolvimento pelas mãos dos colonos suíços. Essa região que hoje é Bom Jardim já foi outrora a freguesia de São José do Ribeirão, pertencente a Nova Friburgo. Por isso, o plantio do inhame, que não reconhece a fronteira geopolítica elaborada pelo homem, se encontra nesses dois municípios. Está aí a explicação histórica do porquê os distritos de São Pedro da Serra, em Nova Friburgo, e de Barra Alegre, em Bom Jardim, promovem a festa do inhame. No passado, eram localidades circunscritas à mesma freguesia. Uma das maiores regiões produtoras de café, a outrora freguesia de São José do Ribeirão, nos revela que ao lado das grandes fazendas café, cujas unidades agrícolas pertenciam a luso-brasileiros, conviveu paralelamente a pequena propriedade de colonos suíços. O inhame, iguaria africana, chega ao Brasil pelas mãos do colonizador português e se consolida na serra fluminense pelas mãos dos colonos suíços que buscam terras melhores em Macaé de Cima. O reflexo dessas trajetórias que se imbricam se manifesta atualmente nesse importante evento cultural: a Festa do Inhame.

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook "História de Nova Friburgo”.

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História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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