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Ducha e bucha
quarta-feira, 18 de junho de 2014
A hidroterapia, terapêutica pela água fria, era empregada no século 19. Foi Vincenzi Priessnitzovi (1799-1851) quem, em 1827, fundou um estabelecimento hospitalar destinado ao tratamento de doenças crônicas, no qual a água fria era adotada. Priessnitzovi logo encontrou adeptos em várias partes do mundo e o método da hidroterapia logo se disseminou em toda a Europa. Em 1871, o médico italiano Carlos Eboli (1832-1885), adepto dessa terapia, inaugura um centro hidroterápico em Nova Friburgo. Algumas experiências haviam sido encetadas no Brasil, mas o estabelecimento de Eboli se destacava, sendo considerado o maior da América Latina. A hidroterapia consistia na utilização da água sob diferentes formas: ingestão de água fria, banhos, duchas, toalhas molhadas, loções, exercícios físicos, utilização de sudoríferos, massagens e uma alimentação balanceada. Ducha e bucha, ou seja, com água e alimentação frugal acreditava-se na cura de diversas doenças a exemplo da tuberculose, reumatismo, anemia, diarreias, distúrbios mentais, beribéri, entre outras. Instalado na antiga Rua General Câmara, contíguo ao Hotel Central, atual Colégio Nossa Senhora das Dores, o estabelecimento hidroterápico era frequentado pela elite carioca. O imperador D. Pedro II e a Princesa Isabel igualmente fizeram uso da hidroterapia nesse estabelecimento em Nova Friburgo. No caso da princesa, na tentativa de engravidar. Há inclusive um registro fotográfico desse instituto feito pelo imperador em sua vinda a cidade serrana. A hidroterapia importava, à época, em uma medicina enérgica que conservava a saúde, prolongava a vida, aniquilava moléstias e aliviava os sofrimentos. O uso médico dos agentes hidroterápicos data da Antiguidade. A água fria, no começo da medicina, foi a primeira de todas as tisanas (medicamento).
O lindo complexo arquitetônico, que hoje é o colégio religioso, era o hotel que servia aos pacientes, tendo sido construído pelo espanhol Francisco Vidal Gomes. Igualmente, seria o construtor do Colégio Anchieta. Note-se que os projetos arquitetônicos são semelhantes. O colégio dos jesuítas foi trazido a Nova Friburgo por Carlos Eboli e nada mais natural que o construtor do seu hotel tenha sido indicado para edificar o atual prédio do Colégio Anchieta. Outrora, o colégio jesuíta, fundado em 12 de abril de 1886, ocupava um antigo casarão do Morro Queimado. Daí o motivo de até o último quartel do século 20, o colégio Anchieta ser conhecido pelo vulgo como "chateau”, numa referência a antiga sede da fazenda.
Conforme as fontes dos jornais, durante o inverno os hóspedes do Estabelecimento Hidroterápico eram doentes se convalescendo, e no verão, os turistas que fugiam das epidemias de varíola e febre amarela do Rio de Janeiro. Acreditava-se que as doenças infecciosas eram provocadas pelo ar "corrompido”. Chegava-se ao ponto de periodicamente dispararem tiros de canhão, a fim de movimentar o ar que as pessoas respiravam. Em razão disso, buscava-se regiões salubres como Nova Friburgo e Petrópolis. Os famosos sanatórios da Suíça, associados à colônia de suíços em Nova Friburgo, talvez tenham fortalecido a representação de Nova Friburgo como cidade salubre.
Com a morte de Carlos Eboli, e posteriormente a falência Estabelecimento Hidroterápico, a Marinha do Brasil, que já enviava marujos a Nova Friburgo para o tratamento do beribéri, interessou-se em adquirir tal estabelecimento. Foi Rui Barbosa quem impediu tal transação comercial. O ilustre causídico, advogando em prol da população friburguense, ponderou que colocar a marujada "baderneira” no coração da cidade iria macular a sua imagem. A Marinha do Brasil terminou por adquirir o antigo casarão de caça da família do barão de Nova Friburgo. Igualmente nesse local, instalou maquinário para tratar de seus doentes utilizando o método da hidroterapia. Anos depois, a Marinha edificaria um hospital, nesse caso para tratamento de tuberculose da marujada. Já nessa fase, nos parece, a hidroterapia não era aplicada. O período de funcionamento, em Nova Friburgo, do Instituto Hidroterápico é um dos mais interessantes de sua história. O Hotel Salusse, por conta desse estabelecimento, igualmente regurgitava de hóspedes, o clou social e o centro da season. De toda parte do país acorriam pessoas para utilizar as duchas desse estabelecimento hidroterápico. Não faltam crônicas nos jornais do Rio de Janeiro de indivíduos que deixam consignada sua satisfação com o tratamento à base de hidroterapia. Água e boa alimentação, ducha e bucha, como se dizia à época, reforçou a representação de Nova Friburgo como a cidade da saúde.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de
diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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