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A cidade real perdeu a sua majestade
quarta-feira, 11 de junho de 2014
Como era Nova Friburgo nas décadas de 30 e 40 do século 20? Encantadoramente bela, era a cidade dos cravos rubros, das camélias brancas, fascinante, bonita por si mesma, sem atavios, na beleza encantadora de sua simplicidade. As ruas eram mais floridas, o lindo coreto bolo de noiva, onde as bandas se apresentavam e que foi destruído sem qualquer justificativa. As residências, divididas por cercas de bambu, tinham vastos quintais onde se cultivavam legumes e verduras em pequenas hortas, além de pomar com jabuticabeiras, laranjeiras, entre outras frutas. Nas hortas, plantava-se couve, vagem, alface, mostarda, acelga, salsa, cebolinha verde, ervilha, berinjela, jiló, maxixe, quiabo, tomate, cenoura, nabo e repolho. As hortas e pomares são herança portuguesa. Lavouras de batata-inglesa, repolho, feijão e milho igualmente poderiam ser avistadas no centro da cidade.
Na segunda década do século 20, Nova Friburgo vivia uma nova fase: passara a ter luz elétrica, que serviria de energia às indústrias que se instalavam na cidade. A partir de 1911, empresários alemães implantam indústrias têxteis em Nova Friburgo. Mas o impacto da industrialização apenas surtiria seus efeitos décadas depois. Nova Friburgo manteria uma paisagem rural até a década de 40. Tropas de mulas ainda circulavam pela cidade comercializando mercadorias das zonas rurais e municípios próximos nos armazéns de secos e molhados. Nova Friburgo tinha parte de sua atividade econômica gerada por veranistas. Os principais hotéis naquela época eram o Leuenroth, Engert e Salusse, que regurgitavam no verão, de novembro a maio, com os turistas. Ah, as lindas residências de Nova Friburgo! A Casa de Madame Santana com seu pomar de uva, pera, maçã, jabuticaba, goiaba e um jardim repleto de camélias brancas. No local de sua residência, atualmente encontra-se um estacionamento, em frente à PMNF. Outra linda residência era a dos Salusse, denominada pelo vulgo de Casa de Rui Barbosa, pois ele era habituée em Nova Friburgo alugando essa residência como veranista. No local, atualmente está o Edifício Rosa Marchon. Uma residência tradicional era a Casa de D. Vitalina, da família Galeano das Neves. No local, encontra-se um shopping center, na praça. A residência do Barão de Nova Friburgo, imóvel que existe até hoje, se estendia, pelos fundos, até a avenida. Naquela época, as residências do centro da cidade, em sua maioria, se prolongavam pelos fundos até as margens do rio Bengalas. A avenida, em ambas as margens do rio, era repleta de lindos palacetes. Contudo, plantações isoladas com roças de milho e feijão ainda poderiam ser avistadas. Por outro lado, Friburgo tinha seus bas fonds no centro da cidade, onde residia uma população miserável. O Beco da Cadeia, atual Monte Líbano, era repleto de casebres sem cubagem, sem ar e sem luz, caindo uns, outros sustidos por obra e graça de Deus; no Beco dos Arcos, havia igualmente cortiços. Na realidade, a divisão de bairros por classe social somente se fará muitos anos depois, quando a elite residirá no centro da cidade e as classes populares nos arrabaldes, a exemplo de Olaria e Conselheiro Paulino.
Aos domingos, havia os bailes no Hotel Central (hoje o Ed. União) e no Xadrezinho (hoje Ed. Spinelli). Nos salões do Hotel Central, estrugiam os ritmos de jazzbands e charleston. O hotel depois se tornou um cassino e passou a denominar-se Hotel Cassino Turista. Igualmente, no Xadrezinho, a animação corria solta. De sua sacada, um saxofonista tocava o retumbante instrumento avisando que o baile iria começar. Era um tempo em que os moços ficavam na porta da igreja aguardando a saída da missa e da ladainha, dizendo palavrinhas adocicadas às meninas quando saíam do culto religioso. A Friburgo das serenatas em noites de verão, casta, patriarcal, as meninas assustadiças, nervosas, espiando os namorados através das vidraças e atirando-lhes uma flor que antes, de leve, roçavam aos lábios; os namorados chibantes, de longe, horas a fio, observando suas amadas nas janelas. Como eram os namoros daquela época? Caminhava-se de um lado a outro na praça, flertando com os rapazes, e a troca contínua de olhares bastava para o compromisso de namoro. Depois do passeio pela praça, uma sessão no Cine Teatro Leal (Ed. Gustavo Lira). Com a chegada do verão, algumas moças da elite promoviam apresentações teatrais, como amadoras, aproveitando os veranistas que ficavam meses na cidade. Sim, os veranistas, em sua maioria, ficavam seis meses na cidade. Naquela época, o sucesso dos suculentos pêssegos do Sítio Santa Elisa, de Raul Sertã, doces e suculentos, de sabor inigualável. Além de pêssego, produzia igualmente uva, figo e castanha portuguesa. Era um tempo dos passeios pelos arredores da cidade como o Tingly, o Parque da Cascata, Sans Souci, Amparo, Chácara do Paraíso, Granja Spinelli, Véu da Noiva, entre outros. O Tingly era um pitoresco arrabalde com magníficas chácaras de flores e caquizeiros. A bicicleta era o mais importante veículo de locomoção. Pelas ruas da cidade pedalava, sem distinção de classe, sexo e idade, toda a gente. A partir década de 60, paulatinamente, os lindos palacetes e o Teatro D. Eugênia, do século 19, são "varridos” da cidade, autorizados pela administração municipal da época. A cidade real, como denominam alguns, numa alusão a sua fundação pelo rei D. João VI, não soube, como Petrópolis, a cidade imperial, escolhida por D. Pedro II para veraneio, preservar o seu patrimônio histórico. A cidade real perdeu a sua majestade!
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de
diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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