A História como missão

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Nunca tive tanto prazer como venho sentindo ultimamente ao realizar, como roteirista e produtora, dois programas de história na Luau TV: "Por Dentro da História” e "História e Memória”. Quando se vê a história de Nova Friburgo com imagens e ilustrações, em movimento, tem-se a impressão de estar entrando em um novo domínio. Fiquei fascinada com o suporte instrumental que esse meio de comunicação nos permite! Está sendo exibido, nesse momento, três capítulos sobre a Ascensão e Queda do Café em Cantagalo. Imagino que muitos friburguenses desprezem a história desse município, mas se a história local fosse melhor compreendida, entenderíamos que não podemos contar as origens de Nova Friburgo sem discorrer sobre Cantagalo. O eixo desses programas é o historiador Clélio Erhtal, que nos conduz a uma deliciosa narrativa sobre o povoamento inicial dessa região. Toda a Serra fluminense fazia parte do termo de Santo Antônio de Sá. Para se ter uma ideia, esse termo tinha uma circunscrição territorial que ia da Serra até Itaboraí, compreendendo Cachoeiras de Macacu, Rio Bonito, Tanguá, Guapimirim, entre outros. Era uma região muito importante, haja vista as ruínas que possui de conventos e igrejas de jesuítas, sendo o mais importante deles o Convento de São Boaventura. A história da região serrana é assaz interessante. A Coroa Portuguesa bloqueava o acesso a essa região para evitar o escoamento do ouro de Minas Gerais rumo ao Rio de Janeiro. Era denominada de Sertões do Macacu e totalmente blindada. Tem esse nome pois tudo o que não era orla marítima, ou melhor, o que era interior do país, os portugueses colonizadores denominavam de "sertões”. Macacu é o rio que corta esses sertões. Graças ao contrabandista Mão de Luva, a Serra foi desbravada. Mão de Luva descobriu ouro de aluvião nos rios dessa região. Cantagalo teria tido minas de ouro? Não. Na realidade, o ouro de aluvião são pequenas pepitas que se desprendem das montanhas por conta de erosões e ficam estacionadas nos rios. Essas erosões são fenômenos que ocorrem ocasionalmente e podem levar séculos para desprenderem novas pepitas de ouro, se ainda houver.

Quando se fala no apogeu do café durante o Império, Cantagalo é colocada de lado pelos historiadores que privilegiaram Vassouras e municípios próximos, influenciados pela obra do brasilianista norte-americano Stanley Stein, que escreveu um livro espetacular sobre a história do café em Vassouras. Em Cantagalo, existem numerosas fazendas com seus respectivos casarões do tempo do Império. Alguns surpreendentemente preservados, como a Fazenda São Clemente, de propriedade de Marcello Monnerat. Infelizmente, a Fazenda do Gavião, a mais importante delas, pertencente ao primeiro Barão de Nova Friburgo, encontra-se em ruínas. Seu proprietário, Pedro Pita, blinda a sua propriedade e não me permitiu a filmagem. A Fazenda do Gavião é sua propriedade particular, não se discute. No entanto, as pessoas que adquirem ou herdam tal propriedade devem ter a consciência de que estão possuindo um patrimônio histórico, que é de domínio público, e deveriam ter a generosidade de compartilhar com a população esse legado. Ainda assim, conseguimos maravilhosas imagens do pontilhão de ferro que passava pela Fazenda do Gavião, hoje reduzida a um terço do que fora. Essa propriedade está localizada no centro de Cantagalo e, quando a avistamos, nos remete às imagens do filme O Castelo, baseado no livro de Kafka: imponente, misterioso e solitário. 

A série do ciclo econômico do café em Cantagalo está sendo exibida pela Luau TV e aproveito a oportunidade para convidar os leitores de A VOZ DA SERRA a acompanhar esse trabalho. Nesses programas de história, privilegiei igualmente a memória do trem em Nova Friburgo, a Fonte do Suspiro, as enchentes no passado e muitos outros virão, como o centenário do futebol, a industrialização, o Colégio Nova Friburgo. Trata-se de um trabalho que tenho feito com muito carinho e contado com a colaboração de historiadores e daqueles que têm a memória da história de Nova Friburgo. Aproveitando essa oportunidade na Luau, tomei a divulgação da história regional como uma missão. 

  

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de

diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”

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Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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