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O novo ano e a evolução da sociabilidade mundana
sexta-feira, 03 de janeiro de 2014
A sociabilidade, suas formas e espaço evoluíram ao longo da história da humanidade. No caso do Brasil, os latifúndios isolaram o homem impedindo-lhe a sociabilidade. Como diz Oliveira Viana, dispersos e isolados na sua desmedida enormidade territorial, os domínios fazendeiros são forçados a viver por si mesmos, de si mesmos e para si mesmos. O latifúndio isola o homem, o dissemina, o absorve. É essencialmente antiurbano. Nesse insulamento que ele impõe aos grupos humanos, a solidariedade vicinal se estiola e morre. Em compensação, a vida da família se reforça progressivamente e absorve toda a vida social em derredor. O grande senhor rural faz da sua casa solarenga o seu mundo. Dentro dele passa a existência como dentro de um microcosmo ideal: e tudo é como se não existisse a sociedade. Essa preponderância da vida de família influi consideravelmente sobre o caráter e a mentalidade da nobreza rural: torna-a uma classe fundamentalmente doméstica. Até meados do século XIX, uma dona de casa da elite vivia uma vida de isolamento com suas escravas e saía de casa apenas para ir à missa, visitar amigas ou parentes. O seu isolamento e a sua conduta recatada a colocava entre as mulheres consideradas da cidade. Seu único trabalho físico era costurar ou preparar iguarias especiais. De um modo geral sua existência era sedentária. Debret revela em suas gravuras as senhoras muito gordas. A corpulência era um sinal de status, indicando quem não exercia trabalho físico e comia bem. Quando a nobreza da terra se estabelece com o recebimento dos títulos de viscondes, condes e barões, os saraus se inserem no cotidiano das famílias patriarcais e proprietárias de terras. Aos poucos o isolamento dos latifúndios vai se esmaecendo. Esses saraus abrem as portas de anfitriões até porque a vida espartana dos antigos proprietários de terras vai desaparecendo na medida em que desejam exibir as mobílias finas e a faiança de porcelana e de prata. O piano é a peça-chave nas residências e a música provoca a sociabilidade mundana. Para o povo, de um modo geral, a sociabilidade ainda se restringe às festas religiosas nas vilas, por ocasião das efemérides dos padroeiros das cidades e dos santos taumaturgos.
Em Nova Friburgo, no final do século XIX, ocorreu um fenômeno particular. A rede hoteleira era significativa e de boa qualidade para atender aos turistas que fugiam das epidemias de febre amarela do verão carioca. Na virada do ano, a cortesã Nova Friburgo já começava a receber os primeiros veranistas. As festas de fim de ano congregando os turistas e a elite local eram realizadas nos hotéis que promoviam soirées. Destacavam-se o Hotel Salusse, o Hotel Central (atual C. N. S. das Dores) e o Hotel Engert. O Teatro D. Eugênia, um lindo teatro localizado na atual Augusto Spinelli, organizava igualmente baile estilo fin de siècle. As duas sociedades musicais, Euterpe e Campesina, se revezavam na execução das peças musicais nesses eventos. Dançava-se quadrilha até o romper da aurora. Na madrugada era comum os cavalheiros e as damas, seguidos pelas duas bandas percorrerem a cidade, despertando as pessoas, cumprimentando-as, desejando-lhes bons anos e fazendo-lhes figa aos gritos de "Figa, figa, figa, porque não foram ao baile”.
Já em meados do século XX, os clubes de serviço como o Clube do Xadrez, A Sociedade Esportiva Friburguense (outrora um clube restrito aos alemães), o Country Clube, entre outros, substituem os hotéis em relação ao espaço de sociabilidade. As festas de fim de ano passam a ser nesses locais, cada clube atendendo a uma classe social específica, sendo os dois primeiros frequentados pela classe média e o último pela alta. Esses clubes fixarão as fronteiras de cada nível social e serão durante decênios promotores das festas de fins de ano na cidade. No entanto, a partir da segunda década do século XXI, esses clubes de serviço entram em decadência. Curiosamente, alguma década antes, surge no cenário de Nova Friburgo a inclinação para possuir uma residência em cidades com praias e mais especificamente em Rio das Ostras. Gradativamente as famílias de todos os segmentos sociais substituíram as festas de fim de ano nos clubes sociais pelos encontros familiares na região oceânica. Nova Friburgo se esvazia nessa época do ano. Troca-se o frescor da serra pelo tórrido calor das praias. O mar tem o efeito simbólico da purificação e da renovação para o novo ano que vem.
FELIZ 2014 a todos os leitores de A VOZ DA SERRA!
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos
livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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