Ano de mangas, ano de febre amarela

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

NOVA FRIBURGO: CIDADE SALUBRE 

Parte IV

No passado, as febres foram denominadas de diversas formas: febre pútrida, febre biliosa, febre sínoca, febre eruptiva, febre intermitente, etc. A sangria, o uso de sanguessugas e as ventosas foram medidas terapêuticas contra as febres de um modo geral, além da dieta de caldo de galinha. Boa parte dos médicos brasileiros, entre o final do século XVIII e início do século XIX, adotavam a teoria de Cullen sobre as febres produzidas pelas emanações dos pântanos ou do corpo humano. Em ata da Câmara de Nova Friburgo, a "febre pútrida” aparece como sendo causada pelo calor e pela umidade. Essa relação entre calor, umidade e doença fazia parte do imaginário da época. Como em Nova Friburgo as chuvas eram frequentes, temia-se pelas febres dos pântanos ou febres palúdicas provocadas pelos miasmas deletérios e palúdicos que se desprendiam das águas estagnadas. As febres intermitentes, famosas pela malignidade e mortalidade, apareceram, de forma epidêmica, em regiões próximas à salubre Nova Friburgo. Cumpre lembrar que a ignorância sobre a etiologia da doença ultrapassaria o século XIX e somente na primeira década do século seguinte se descobriria que a doença era originária do mosquito Aedes aegypti. Foi na sessão de 27 de outubro de 1885, na Academia Imperial de Medicina, que pela primeira vez o médico baiano Dr. Filogônio Lopes Utinguassu aventou a tese de que a febre amarela fosse transmitida por um mosquito, hipótese mais adiante confirmada em Havana. Na vila de Santo Antônio de Sá (hoje Comperj) em razão do desmatamento desordenado e assoreamento dos rios, formaram-se muitos pântanos, acarretando a proliferação de mosquitos, ocorrendo frequentemente nessa localidade epidemias de febre amarela e malária, conhecidas como "febre do Macacu”. A tragédia das epidemias foi tão intensa que em 1829 quase já não existiam moradores nessa vila. 

A Corte passou a mudar com regularidade para Petrópolis a partir de 1847, uma vila promovida a cidade dez anos mais tarde em meio a uma febre de construções. A morte na tenra idade de dois filhos de D. Pedro II, Afonso (1845-7) e Pedro (1848-50) consagrava o Rio de Janeiro como uma cidade com atmosfera pestilenta, provocando fuga de cariocas abastados no verão. O ambiente das montanhas passou a ser solução imediata para a elite livrar-se da mortandade que se abatia sobre o Rio de Janeiro com a chegada da estação calmosa. As epidemias de febre amarela que grassam pelo século XIX terão reflexos na história de Nova Friburgo. Cariocas se deslocavam amiúde para essa cidade salubre fugindo da canícula da Corte. No Rio de Janeiro foi particularmente intensa uma epidemia ocorrida em 1850, ceifando milhares de vidas, não poupando senadores e ex-ministros. Os estrangeiros foram as maiores vítimas. O Rio de Janeiro passa a ser considerado o túmulo do estrangeiro. O povo, alarmado, participava de procissões com penitentes seminus flagelando-se contritamente. Desde esse primeiro sinistro até o final do século XIX, as epidemias de febre amarela serão intermitentes em quase todas as províncias do Brasil, não poupando qualquer classe social. No Rio de Janeiro, capital do Império, a febre amarela adquiriu caráter endêmico-epidêmico. 

Ano de mangas, ano de febre amarela, dizia-se à época, expressando em linguagem coloquial a relação que os clínicos estabeleciam entre o calor, a umidade e as epidemias. Gilberto Freyre, em Sobrados e Mucambos, escreveu que "vendo quanta vítima da febre apodrecer por esses chãos úmidos e cheios de tapuru, debaixo de palmeira gordas, tropicalmente triunfantes sobre o invasor nórdico faz ideia da tenacidade com que o inglês, para conquistar o mercado brasileiro e firmar nova zona de influência para o seu imperialismo, se expor a morrer de febre (amarela) tão má nesta parte dos trópicos”. Segundo Freyre, há quem atribua à febre amarela a função patriótica de ter guardado o império da cobiça europeia ou britânica. Aristocratas, burgueses ricos e personalidades de prol abandonavam a cidade se refugiando nos morros, a exemplo de Santa Teresa, e subúrbios distantes do Rio de Janeiro. É nesse momento que Nova Friburgo se beneficia dessa diáspora. Cidade serrana, com clima salubre já reconhecido na cura da tuberculose, será igualmente procurada pelos cariocas e fluminenses que fugiam das epidemias da estação do verão. Há o registro de que esses cariocas permaneciam durante seis longos meses em Nova Friburgo. A presença dessa população adventícia acarretará um grande desenvolvimento no município em razão do aluguel de casas, hospedagem nos hotéis, fomento do comércio e no setor de serviços. Soirées, representações de peças teatrais, pic-nics, provocarão a sociabilidade mundana dos cariocas e friburguenses, naquilo que poderíamos denominar de a Belle Époque em Nova Friburgo. Na próxima semana "A tirania dos higienistas”. 

 

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”

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História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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