Colunas
Explosão de ressentimentos
sábado, 29 de junho de 2013
Wadih Damous*
Algumas constatações já podem ser extraídas da onda de manifestações iniciada em São Paulo nos primeiros dias do mês e que rapidamente se espalhou por várias cidades brasileiras, tendo como focos principais a capital paulista e o Rio de Janeiro. Embora nenhum cientista social, político, liderança estudantil ou sindical tenha remotamente previsto a dimensão e a amplitude que os protestos tomariam, e haja muito a ser analisado, explicado e informado, há lições fundamentais sobre o desenrolar dos acontecimentos.
O aumento da tarifa dos ônibus urbanos em 20 centavos, que seria o motivo da primeira passeata em São Paulo, há duas semanas, deflagrou uma explosão de ressentimentos e indignação popular contra o péssimo, e caro, serviço de transporte público prestado nas capitais. Ainda que estranhas ao até então pouco conhecido Movimento do Passe Livre, que prega a gratuidade das passagens, pessoas — jovens na sua esmagadora maioria — das mais diversas classes, origens e profissões somaram-se às manifestações estudantis e levantaram outras bandeiras, pela educação e pela saúde. Somaram-se também, como acontece em eventos que reúnem multidões, aproveitadores prontos e dispostos a vandalizar bens públicos e privados, promovendo o maior tumulto possível.
A sucessão de confrontos violentos a que assistimos estarrecidos é que poderia ter sido evitada ou minimizada, se as polícias militares de São Paulo e do Rio tivessem mostrado algum preparo para lidar com as manifestações. Certamente a formação militarizada da força, resquício infeliz da ditadura, contribuiu para o ânimo de combate de guerra demonstrado, com episódios de covardia armada.
Na capital paulista, policiais miraram os rostos de manifestantes — além de jornalistas e transeuntes que sequer participavam — e atiraram com balas de borracha para ferir, com risco até de matar. Essa truculência nos faz lembrar os anos da repressão política, quando não era garantido o direito constitucional de livre manifestação. Mais de duas décadas se passaram desde então, mas a democracia parece não ter sido bem assimilada no comando das tropas.
No Rio, a PM mostrou desequilíbrio ao investir com bombas contra ativistas cuja reação era repetir, incessantemente, "sem violência”. Ante a disposição dos policiais de levar o confronto para dentro da Quinta da Boa Vista, repleta de famílias em seu domingo de lazer, foram os jornalistas a convencê-los a desistir de tamanha insensatez. Segunda-feira, o quadro se inverteu e um grupo de jovens violentos separou-se da maioria e atacou os agentes ao final da passeata que até ali transcorrera pacificamente.
Às autoridades, cabe refletir e agir, positiva e rapidamente, para evitar que as manifestações — legítimas e plenas de direito — saiam totalmente de controle justamente por parte de quem deveria mantê-lo para o bem de todos, e caiam nos braços de oportunistas de plantão. Cabe também refletir sobre as muitas razões de insatisfação popular com os serviços ruins prestados ou chancelados pelo Estado, pagos com o dinheiro suado dos cidadãos. O tempo urge.
(*) Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil e conselheiro federal pelo Rio de Janeiro
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