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Caçando sapo, contando caso, de como deve ser Lumiar
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
O distrito de Lumiar, atualmente, é uma região isolada de Nova Friburgo, atraindo mais a população adventícia do que os friburguenses propriamente ditos. Antes mesmo que os colonos suíços se dirigissem a Macaé de Cima (e Lumiar) em busca de melhores terras, já havia uma população de luso-brasileiros, fazendeiros provenientes da região de Lumiar, em Portugal. Segundo a Wikipédia, a freguesia de Lumiar em Portugal foi criada em 2 de abril de 1266. No inicio do século XVIII, era definido o Lumiar como “um sítio de nobres quintas, olivais e vinhas”, sendo os principais frutos da terra o vinho, o trigo, a cevada e o azeite. De 1852 a 1886, esta freguesia esteve integrada no Conselho dos Olivais, sendo finalmente incorporada a Lisboa, em 18 de julho de 1885. Logo, Lumiar deve sua denominação aos “alfacinhas” provenientes de Lumiar, localizada nos arredores de Lisboa.
Em um passado remoto teve grande importância econômica e política na história de Nova Friburgo. No final do século XIX, Lumiar possuía dois periódicos. O primeiro deles, O Lumiarense, foi fundado por Eugênio Gustavo Brust, em 17 de junho de 1894, que apoiava Carlos Maria Marchon, importante político local, presidente do Partido Republicano Fluminense de Lumiar, um típico potentado e mandão de aldeia. O segundo, A Evolução, foi fundado em 7 de abril de 1895, por uma sociedade anônima. O surgimento do segundo periódico ocasionou o fechamento do primeiro, mas A Evolução teve uma trajetória curta, circulando somente até 13 de junho de 1896. Ambos eram impressos em Lumiar em oficinas próprias. Em São Pedro, localidade próxima a Lumiar, havia o semanário A Sentinella, fundado em 1895, por Guilherme Samuel Bohrer, periódico do Partido Republicano Autonomista. A existência desses periódicos denota a importância dessa localidade.
Quando o então presidente do estado, Francisco Portella, veio a Nova Friburgo, nos primeiros anos da República, visitou Lumiar e os alunos de uma escola pública o recepcionaram cantando a Marseillaise, hino da França adotado pelos republicanos brasileiros. O Jockey Club de Nova Friburgo, fundado em 1881, pelo Barão de São Clemente, filho do Barão de Nova Friburgo, realizava as corridas no Prado Entre Rios, em Lumiar. Fundou-se ainda o Liceu Lumiarense, a Sociedade Bibliotecária Luz nas Trevas e a Irmandade de São Sebastião de Lumiar. Como disse, Lumiar possuía muito mais importância no cotidiano de Nova Friburgo do que atualmente.
Diante da fervilhante atividade política e cultural desse distrito era natural que tivesse a sua própria banda de música. Em 20 de janeiro de 1891, surge a Sociedade Musical Euterpe Lumiarense. Essa sociedade musical, conhecida pelo vulgo como “furiosa”, teve entre seus integrantes sobrenomes de descendentes de suíços como Spitz, Ouverney, Heringer, Brust, Klein, entre outros, que trabalharam e fomentaram a atividade dessa instituição, se mantendo em virtude das subscrições de seus associados, o “livro de ouro”. No entanto, ao longo de toda a sua trajetória, a Euterpe Lumiarense encerrou por diversos momentos as suas atividades, chegando mesmo a paralisação por mais de uma década. De acordo com os memorialistas, surgia novamente renovada como a fênix mitológica. Em 1965, a Euterpe Lumiarense ganha uma sede própria, na Praça Antônio Durval de Moares. Retretas aos domingos estavam dentro de sua programação e chegou a formar, inclusive, uma jazz band.
Atualmente, procura se reestruturar, contando com os descendentes dos velhos timoneiros da sociedade musical. Parece-nos que não foi contemplada pelo governo municipal, como foram a Euterpe e a Campesina, com uma verba para manter suas atividades culturais. Uma injustiça, já que a banda Euterpe Lumiarense é uma instituição que confunde história, tradição familiar, cultura e sociabilidade. Seria interessante que essa sociedade musical, pelo seu isolamento, mantivesse as características das bandas de música de outrora, a circularidade, os quais a Euterpe e a Campesina, infelizmente, já perderam. Verdes anos em que as bandas circulavam pelas ruas da cidade, tocando seus dobrados e interrompendo por alguns momentos os afazeres cotidianos das pessoas. A banda que fazia a gente sofrida despedir-se da dor, o velho fraco dançar e se esquecer do cansaço e a moça feia pensar que a banda tocava somente para ela.
Por fim, quem imortalizou o distrito de Lumiar foi o compositor Beto Guedes, música que acabou se tornando um de seus maiores sucessos: “Amor, Lumiar, pra viver, pra gostar, pra chover, pra tratar de vadiar, descansar os olhos, olhar e ver e respirar, só pra não ver o tempo passar, pra passar o tempo, até chover, até lembrar de como deve ser Lumiar...”. E como quer Beto Guedes, caçando sapo, contando caso, de como deve ser Lumiar.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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