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Engenho novo, engenho novo... bota a roda pra rodar
Faleceu no dia 2 de agosto do corrente ano, Álvaro Luiz Corrêa da Graça. Nascido em 1925, talvez o nome do Dr. Álvaro, como era conhecido, provoque certa estranheza à população friburguense. Mas não deveria. A história da família dos Corrêa da Rocha se confunde em alguns momentos com história da Nova Friburgo. Por volta de 1884, os condes de Nova Friburgo e de São Clemente se associaram a Elias Antonio de Moraes, o 2° Barão de Duas Barras, Galdino Antonio do Valle (pai de Galdino do Valle Filho), entre outros, inaugurando na Fazenda das Laranjeiras, que pertencia aos herdeiros do barão de Nova Friburgo, a Companhia Engenho Central Rio Negro. Era localizada à época em Cantagalo, região hoje pertencente a Itaocara. Porém, decorridos cinco anos de sua fundação, a Companhia Engenho Central Rio Negro inicia um processo de falência. Em 1896, a empresa é adquirida pelo engenheiro Luiz Corrêa da Rocha, filho de um rico fazendeiro da região, que tinha sua base econômica e política em Bom Jardim. Luiz Corrêa da Rocha era proprietário de quase todas as terras onde hoje é o município de Bom Jardim. Na sua gestão, o Engenho Central do Rio Negro iria se reerguer e prosperar e passa a se chamar Engenho Central Laranjeiras. O filho de Corrêa da Rocha, Péricles Corrêa da Rocha, que administrou o engenho no período de 1930 a 1956, daria um novo impulso econômico à empresa, colocando-a entre os maiores engenhos de beneficiamento de açúcar do país. Já em 1958, Álvaro Luiz Corrêa Graça herda de seu tio Péricles o Engenho Central, administrando-o por pouco mais de uma década. No entanto, por dificuldades financeiras, o engenho encerra suas atividades em 1972, provocando grande impacto econômico e social na região.
Narrando resumidamente a história do Engenho Central Laranjeiras pode parecer a trajetória de uma empresa como tantas outras; mas não é. O Engenho Central possuía características bem peculiares para os padrões da época, a começar por uma moeda própria que circulava na região e alcançava municípios vizinhos. Na realidade, ao redor do engenho, surgiu uma cidadela, com vilas de casas onde residiam funcionários da administração, um cinema, um hospital e um clube social. Até a residência de Álvaro Luiz Corrêa Graça era localizada a poucos metros do engenho. Era um “Estado” dentro de um “Estado”, tal era a sua autonomia. O engenho provocou enorme afluxo de trabalhadores na época da administração de Péricles Corrêa da Rocha e deu um enorme impulso econômico à região. Imigrantes libaneses logo se deslocaram para Laranjais, pois todos competiam no comércio para vender seus produtos aos funcionários do engenho. Muitos italianos igualmente para lá se dirigiram pois eram cooptados para trabalhar no manuseio das máquinas. Até hoje muitas histórias ainda circulam sobre o velho Engenho Central. Em quase todos os fins de semana havia bailes no clube do engenho e até a família Corrêa Graça frequentava amiúde esse espaço de sociabilidade. Porém, algo curioso ocorria nesses bailes entre os trabalhadores do engenho: os brancos ficavam de um lado e os negros do outro lado do clube, não podendo misturar-se. Não era a condição social que definia as fronteiras nesse espaço, mas tão somente, a cor da pele.
Frequentei o Engenho Central Laranjeiras na minha infância e no ano passado me lembrei de lá retornar para tentar reconstituir a sua história. Como foi difícil não misturar fragmentos de minha infância com o meu trabalho de pesquisadora. Apesar de certa resistência inicial, o Dr. Álvaro me recebeu, convidando-me gentilmente para almoçar com ele, depois da entrevista, em sua residência. Sua relação com seus filhos era a de um verdadeiro pater familias em que se misturavam respeito e temor diante da forte figura paterna, um patriarcalismo difícil de encontrar nos dias de hoje. Na entrevista, a maior parte das informações me foi dada por seu filho Marcelo, mas o Dr. Álvaro me deu uma declaração preciosa que derruba muitas teses doutorado em história. Quando o indaguei sobre a crise agrícola do norte fluminense e a sua falta de competitividade com São Paulo ele me deu uma explicação interessante. Os agricultores fluminenses desejaram mecanizar suas lavouras, mas a geografia da região não comportava a mecanização, pois muitas máquinas não “subiam morro”. Quando o trabalho na lavoura era realizado pela mão de obra escrava não havia esse problema. Mas quando a atividade agrícola se mecanizou, a topografia da região, que consiste a maior parte em morros, dificultou a sua adaptação. Essa sua afirmação derruba algumas teses de historiadores que colocam os fazendeiros fluminenses como pouco industriosos por não terem mecanizado suas lavouras, tornando seus produtos sem competitividade em relação aos fazendeiros paulistas.
Mas afinal qual é a relação do Engenho Central Laranjeiras com Nova Friburgo? Quando o engenho encerrou suas atividades muitos de seus funcionários foram trabalhar nas indústrias de Nova Friburgo e tinham preferência sobre quaisquer outros, pois era uma mão de obra especializada em fundição e mecânica. Quem tivesse registro na carteira de trabalho impresso Companhia Engenho Central Laranjeiras tinha emprego certo. O antigo engenho se transformou nesse ano em uma fábrica de reciclagem de papel e muitos friburguenses, filhos de antigos funcionários, foram chamados para trabalhar na instalação dessa indústria. Um caminho de volta. Nos últimos anos de sua vida, o Dr. Álvaro ainda evocava respeito e deferência entre os moradores da região, sempre demonstrando satisfação em ser reconhecido ao ser cumprimentado. A história do Engenho Central Laranjeiras merecia ser pesquisada e folgaria em saber que a família se interessasse por essa reconstituição. Na minha memória de infância de minhas férias passadas no Engenho Central, uma música que não me sai da cabeça: “Engenho novo, engenho novo, engenho novo bota roda pra rodar. Capim melado, chip chip, mela mela, eu passei pela capela e vi dois padres a rezar.”
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “História e Memória de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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