A cultura do trabalho em Nova Friburgo

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Na matéria de hoje, gostaria de fazer um diálogo com Antonio Lo Bianco, imigrante italiano nascido em 1916, aproveitando a entrevista que deu ao jornalista Maurício Siaines, em 24 de maio do corrente ano, para o jornal A Voz da Serra. Optei por comentar as informações e algumas impressões de Lo Bianco, que chegou a Nova Friburgo em 1930, com 14 anos de idade. Mas como encontrou Lo Bianco a cidade serrana na década de 30, do século XX?

Nova Friburgo foi um “Termo” criado para abrigar o núcleo de colonos suíços no início do século XIX, experiência que conjugava o trabalho livre com a vinda de colonos europeus. Essa iniciativa não logrou êxito e é essa a visão que Lo Bianco teve ao declarar que “...os primeiros imigrantes foram os suíços, mas eles chegaram aqui despedaçados, estraçalhados e pouco ou nada fizeram. Friburgo deve muito mesmo é a colônia alemã”. Nesse último aspecto, ou seja, com relação aos alemães, Lo Bianco tem uma visão equivocada, mas típica dos que confundem os “colonos” com os “industriais” alemães.

Em 1824 um grupo de colonos alemães veio para a vila de Nova Friburgo, por orientação do governo imperial, para dar vigor e fomentar a fracassada colônia de suíços. No entanto, a vinda desses teutônicos pouco alterou o status quo da vila. Já no início do século XX, um grupo de empresários alemães, capitaneados pelo timoneiro Julius Arp, iriam instalar um complexo industrial nos ramos têxtil, de artefatos de couro e metalúrgico, que iria provocar mudanças estruturais no aspecto econômico e social do município. Logo, não foram os colonos, mas os industriais alemães que mudaram o perfil socioeconômico da cidade. Lo Bianco, que tivera uma loja de móveis na cidade, conhecia bem a clientela que fazia “ficha” para comprar a crédito. Segundo ele, “metade de Friburgo trabalhava nas fábricas”.

Lo Bianco, juntamente com os irmãos e primos, que já tinham experiência na fabricação de massas, montou uma fábrica de macarrão na cidade: o “Talharim Friburgo”. Posteriormente, produziram biscoitos amanteigados. Há algumas décadas anteriores, há o registro de uma fábrica de massas alimentícias de João Bizzoto e Filhos, igualmente imigrantes italianos, que produziam variado sortimento de massas. Os primeiros italianos que imigraram para Nova Friburgo geralmente exerciam ocupações como carroceiros, marceneiros, construtores e posteriormente no comércio e como distribuidores de jornais. Na visão de Lo Bianco, “Friburgo foi se tornando uma das cidades mais importantes da Região Serrana”. Mas não é exagero. Na primeira metade do século XX, percebe-se nos discursos dos jornais que o município tinha uma importância muito grande no cenário econômico estadual, posição essa que foi se esmaecendo ao longo dos anos.

Lo Bianco destaca ainda outra atividade econômica do município, o turismo: “Friburgo havia se tornado uma cidade bonita. No meu tempo vinham os veranistas. Mas estes não eram do tipo que vinham em um sábado e iam embora no domingo à tarde, ficavam dois, três meses(...) o número de veranistas era grande...” Pode parecer outro exagero, mas não é. De fato, os veranistas de outrora permaneciam um longo período na cidade. Os turistas do final do século XIX ficavam ainda bem mais tempo em Nova Friburgo: permaneciam na cidade durante longos seis meses.

“O clima sempre foi uma joia em Friburgo”, destaca Lo Bianco, e afirma que “... Friburgo era conhecida como a cidade dos cravos. Antes era conhecida como cidade dos tuberculosos. Inclusive, meus parentes do Rio não queriam que eu viesse para Friburgo por causa da tuberculose. Eles vinham se curar por causa do clima, um dos mais saudáveis do estado do Rio. E havia ainda o Sanatório Naval: os marinheiros que ficavam doentes vinham aqui em busca de saúde...” De fato, desde meados do século XIX, Nova Friburgo já era procurada por doentes acometidos pela tuberculose, pois se acreditava que o clima frio e seco auxiliava na cura dessa doença. A Marinha adquire a casa de campo da família do barão de Nova Friburgo e inaugura o Sanatório Naval em 1910, dedicando esse estabelecimento inicialmente à cura do beribéri de seus oficiais e praças da armada. Porém, na década de 30, dedica-se essencialmente ao tratamento dos tísicos e em 1936, inaugura o Hospital de Tuberculosos, anexo à casa principal.

O mais interessante é a pergunta feita pelo jornalista e sociólogo Maurício Siaines sobre a “cultura do trabalho” em Nova Friburgo. Lo Bianco responde que os alemães, “donos do mercado, da indústria” sabiam conduzir as coisas educando os friburguenses nos parâmetros da escola alemã. Relendo as memórias de Richard Ihns, diretor executivo da Rendas Arp, indaguei-o sobre a transformação ocorrida em Nova Friburgo ocasionada pela industrialização. Em resposta, Ihns declarou que a orientação das três fábricas era uniforme: ordem e disciplina. Sob a ideologia positivista dos industriais alemães, tendo como garantidor da ordem o braço militar do Sanatório Naval, dificilmente em Nova Friburgo um movimento de esquerda formada por operários poderia triunfar. E Lo Bianco conclui: “...E o povo friburguense foi se adaptando a essa escola alemã”.

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “História e Memória de Nova Friburgo” historianovafriburgo@gmail.com

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Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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