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Uma Vila Rica nos Sertões do Macacu
Cantagalo: berço do Centro-Norte Fluminense—parte III
Como dissemos em matéria anterior, os municípios do Centro-Norte Fluminense constituíam o denominado Sertões do Macacu, região inicialmente habitada pelas tribos indígenas Coroados, Puris e Coropós. O esgotamento de ouro das jazidas de Minas Gerais provocou o deslocamento de garimpeiros para os Sertões do Macacu, aproximadamente em fins da década de 1770, em busca de ouro nos rios Negro, Grande e Macuco. Por se tratarem de exploradores clandestinos, a Coroa Portuguesa enviou tropas partindo de Minas Gerais à região e prendeu todos os contrabandistas. O vice-rei D. Luiz de Vasconcelos e Souza determinou então a ocupação daqueles sertões e passou a distribuir sesmarias (terras) ao longo dos rios Negro e Grande aos vassalos interessados na exploração do ouro.
O Centro-Norte Fluminense—ou melhor, os Sertões do Macacu—iria oficialmente ser povoado. Os pretendentes às sesmarias e exploração legal do ouro deveriam habitar a região e possuir uma boa escravaria, condição essencial para obtenção de terras. Uma guarnição militar foi instalada no local para coibir eventuais extravios, bem como três registros fiscais: dois na serra (Boca do Mato), um no alto da serra nas “Águas Compridas” e um na travessia do Rio Grande (Riograndina). Nesses registros seriam cobrados os direitos de entrada de escravos, animais e mercadorias. Tinham, outrossim, a finalidade de proteger a vida e a tranquilidade dos viajantes e tropeiros que circulariam pela região. Cuidou-se igualmente da abertura de caminhos para facilitar o acesso às novas minas e o escoamento da futura produção local.
A seguir, vem a estrutura administrativa para disciplinar o garimpo, distribuir as sesmarias (datas de terras minerais) e prover a cobrança de imposto (o quinto). Foram criados os cargos de superintendente, guarda-mor (competia demarcar, registrar e sortear as datas de terras), tesoureiro (administrar o quinto) e inspetor (fiscalizar e dirigir os trabalhos de lavra). Assim que se descobrissem ribeirões auríferos, deveria o superintendente ordenar ao guarda-mor que medisse sua extensão e indagasse aos pretendentes à exploração o número de escravos que possuíam, para em função deles licitar as glebas. Quanto maior o número de escravos mais terras receberiam. Como os Sertões do Macacu pertenciam ao município de Santo Antônio de Sá, devido à descoberta de ribeirões auríferos naqueles sertões, foi desmembrado como unidade administrativa à parte, diretamente subordinada à Coroa, por intermédio do superintendente.
Os pareceres sobre pedidos de sesmaria, originariamente despachados pela Câmara de Santo Antônio de Sá, passaram à competência do superintendente. Foi desse núcleo de povoamento que surgiria a vila de Cantagalo. Para controlar a extração do ouro e a arrecadação dos tributos foi criada a Casa de Registro. Todo o ouro extraído era apresentado à Casa de Registro, para fins de pesagem e dedução do imposto (quinto), devolvendo-se aos garimpeiros o remanescente. A sede da Superintendência ficou sendo o antigo arraial de São Pedro de Cantagalo, fundado pelo contrabandista Mão de Luva. Deveria ser criada uma Casa de Fundição onde o metal seria reduzido a barras para ser transportado para o Rio de Janeiro. No entanto, a edificação da Casa de Fundição nunca se efetivou. Finalmente, foi expedido um edital em 21 de junho de 1787, distribuindo-se 33 datas minerais (terras) aos candidatos a sesmeiros que tivessem um número mínimo de 12 escravos e recursos financeiros para executar a lavra do ouro. Antes de proceder ao sorteio, o superintendente separou as melhores terras dando uma sesmaria para a rainha (Maria I), outra para o vice-rei, uma para si mesmo e outra para o guarda-mor. Quando procedeu ao sorteio, havia maior número de pretendentes do que de terras distribuídas, o que surpreendeu as autoridades. Em razão disso, outro sorteio foi realizado em agosto do mesmo ano, sorteando-se mais 50 datas minerais. Ressalto que estamos assistindo ao povoamento oficial de Cantagalo.
Os primeiros anos nos Sertões do Macacu foram de euforia, imaginando-se encontrar nos Rios Negro, Grande e “dos Macucos” jazidas fartas. Os faiscadores contemplados nos sorteios de 1787 para elas se dirigiram no maior entusiasmo. No entanto, logo perceberam que as minas não eram tão ricas como a Coroa anunciara. As Novas Minas de Cantagalo sempre foram deficitárias e, em dezessete anos de mineração oficial, somente deram prejuízo. Por conseguinte, a Coroa Portuguesa desativou a estrutura administrativa que montara permanecendo apenas a Casa de Registro e deixou correr livre a faiscagem na área. A frustração foi tamanha que muitos mineradores abandonaram o garimpo. Outros, porém, resolveram dedicar-se à agricultura, requerendo sesmarias para nela aplicar seus capitais e escravos, que não podiam permanecer ociosos. O governo, por outro lado, obrigava mineiros ou faiscadores a cultivar café, açúcar e a criação de gado nas sesmarias.
Logo, as “Novas Minas” dos Sertões do Macacu foram definhando no decorrer dos últimos anos do século XVIII, para se extinguir na década de 1820. Esse episódio frustrou D. Luiz de Vasconcellos e Souza, 4° vice-rei do Brasil, sob cujo governo ocorreu a ocupação dos Sertões do Macacu. A Metrópole (Portugal), sempre ávida por metais preciosos na colonização exploratória, frustrou-se pelo fato de o Brasil não lhe ter dado o ouro e a prata que a sua rival Espanha arrancava de suas colônias. O sonho de uma nova Vila Rica nos Sertões do Macacu, como ocorreu em Ouro Preto, se esvaeceu.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “História e Memória de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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