O que comia o friburguense no século XIX - 1º de setembro 2011

sexta-feira, 06 de abril de 2012

Em 1820, no início da fundação da vila de Nova Friburgo, vendedores apregoavam a venda de pães de milho. Toucinho e farinha faziam parte da alimentação básica diária da população. Na mesa do primeiro Barão de Duas Barras, ainda de costumes patriarcais mineiros, aparecia regularmente a canjica, as pipocas, a couve mineira, o caldo de unto e a rapadura. Há menção da existência de árvores frutíferas típicas da Europa, produzindo frutas de clima frio, nas regiões mais contíguas à serra. Havia igualmente vinhedos que se espraiavam pela vila de Nova Friburgo. Na Freguesia de Sebastiana (estrada Friburgo-Teresópolis), plantavam-se peras, maçãs, nozes, cerejas, marmelo, amoras e uvas. As famílias medianas e pobres comiam o seguinte no início do século XX: canjiquinha, angu, couve, batata, aipim, inhame, farinha de mandioca, verduras, porco, galinha, carne seca (nem todas) e café com pão. Somente a classe média comia frutas na sobremesa e igualmente leite e ovos eram restritos ao consumo diário nessa classe. O bacalhau era um produto barato à época e muito consumido pelas classes populares. Comia-se bacalhau com chuchu, com quiabo, puro ou com batata. Havia inclusive o ditado: “Pra quem é, bacalhau basta”. Nas paradas das estações, conforme a época do ano, consumiam-se frutas como cambucá, laranja, tangerina, lima, limão-doce, jabuticaba, fruta-do-conde, banana, abacaxi, melancia, sapoti, abacate e roletes de cana. Nos botequins das estações, café, pão de ló, bijus e nos tabuleiros dos vendedores ambulantes, doces, bolos de arroz, de milho e bolinhos de bacalhau. Quando os italianos migraram para Nova Friburgo um sortimento de pastas era proporcionado pelas duas fábricas pertencentes aos mesmos, que produziam maccheroni e paste minute. No dia a dia dos italianos, ovo frito com polenta e mortadela.

Nos picnics da elite um refrescante vermouth como aperitivo e no farnel, champanhe Viuve Cliqueau e salada russa. Nas festas e celebrações um “delicado menu” de doces sempre servidos em mesas ornadas com belas flores naturais. Os “salgadinhos” de hoje não existiam, prestigiando-se a pastelaria portuguesa (doces). Nos banquetes servia-se variado menu d’un repas. Na reinauguração do Instituo Hidroterápico, foi servido um delicado menu com serviço de mesa com os mais finos cristais e porcelanas. Transcrevemos aqui o cardápio conforme foi publicado em um jornal local: Hors d’Oeuvre d’offie Assortie, Potage; Juliene, Colberg: Hors d’oeuvre de Cuisine, Petits Bouchèes a la purée de Perdiz; Relevée: Poisson fin a la Genoise, pómez a l’anglaise; Entrée: Emencé d’agnoux; Piece Froide: Aspique de foie gras, Jambon de York; Grand Punch a la Dr. Theodoro (O médico do Instituto Hidroterápico); Rotis: Dinde Farci a la Brésilienne; Roast-feef a L’anglaise; Salade vert varié; Entremet: Goteau a la Reine, salade de fruits; Café Moka; the liquers, assortis; Vins: Madeiras-Medoc, Chateaux, Paluguay, Chateaux la Rose, Clarete, Champagne, Porto.

No comércio mais simples vendiam-se maisena, araruta, sagu, tapioca, mate, polvilho, farinha láctea, phosphatine, bacalhau, carne-seca, manteiga, doces em calda, toucinho, etc. Mas era possível encontrar charcuteries e pâtisseries, provavelmente para atender aos veranistas que passavam até seis meses na cidade ao final do século XIX. Na Praça Paissandu existia a Charcuterie Française, de propriedade de Felix Besnard. O estabelecimento vendia boudins, saucisses, crepinettes, patè d’Italie, patè de foie de canard, patè de Pithuiers, langues fourrèes, rillettes de tours, patê de Ruffec, tripés à la mode de Caen, saucissous de Lyon e Arles, jambons façon, westphalie york, glaces, galantine truffèe, linguiças, salpicões, morcelas e salames. Pièces montèes pour banquets, dizia o periódico. Já na Guarany Store, localizada na Praça 15 de Novembro (Getúlio Vargas), vendiam-se bombons finos em vidros hermeticamente fechados, vindos diretamente da Suíça. Encontrava-se, outrossim, variado sortimento de chocolat suchard à la vanille, biscuits suchard, cação soluble, deblotins vanilles, mandarines, cartons de bolons à la creme, petites croquettés santé, petites croquettés vanillé, bouteilles de calendrier perpétuel, coffrét métal, souvenir, pappilon, porte cartes riche, petit oeuf, moyen oeuf, valise, tambur, sassettes cigares, porte feuille, porte monaie, petits cigars, mandolines, serpents, ameixas francesas, tâmaras, uvas-passas, abricot cristalino, amêndoas de Lisboa, nozes, açúcar branco (um luxo à época) e fiambres. Tudo vinha diretamente da Casa Suchard, em Neuchétel, na Suíça. No setor de bebidas, forneciam-se cerveja Franziskaner Pilsen e cerveja preta inglesa. Na Casa Sá, também se encontravam gêneros importados de qualidade e hors d’oeuvre. Já na confeitaria de Frieda Huttig, localizada na General Osório, havia variado sortimento de pudins, pão de ló, biscoitos, bolos, balas e pratos frios como saladas, maionese, entre outros acepipes. O friburguense abastado poderia ter, à mesa, vinho Bordeaux e águas de Vichy. Luís da Câmara Cascudo afirma, em sua extraordinária obra História da Alimentação no Brasil, que “toda a existência humana decorre do binômio estômago e sexo”. Menciona alguns autores para provar que o estômago é muito mais importante do que o sexo e como é incontestável essa supremacia. Segundo ele, o estômago exige alimentação logo após as primeiras vinte e quatro horas de vida do ser humano, enquanto o sexo espera até a chegada da adolescência para se tornar uma necessidade. Acresce ainda que, depois de adulto, o homem continua a necessitar de alimentos três vezes por dia, o que não acontece em relação ao sexo. Finalmente, Câmara Cascudo invoca os gregos, segundo os quais a fome faz cessar o amor.

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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