Celcyo Folly – O bom samaritano

segunda-feira, 03 de novembro de 2008
por Jornal A Voz da Serra

Hoje, 30 de outubro de 2008, acordo muito cedo por causa do barulho de uma bem-vinda chuva caindo no velho telhado.

Horas depois, levanto-me. Abro a janela e dou de cara com um cãozinho esfregando-se numa cadelinha tão frágil de dar dó. Espantei, rapidamente, os dois, e dei uma cusparada na cara do dia, embora meio sem graça pelo gesto.

Volto ao interior da casa. Abro uma gaveta da escrivaninha do quarto e deparo com uma vela de 7 dias: suja, de pavio curto, sinal de que nunca fora acendida. Sem pensar e sem objetivo especificado, resolvo fazer-lhe uma limpeza geral, removendo a sujeira com uma faca de cozinha. Deixo-a em condições de higiene e estética. Arrumo tudo direitinho e a acendo com um fósforo, colocando-a em lugar de destaque na sala.

Esse tipo de providência e de gestos dessa natureza jamais passaram pela minha cabeça. Nunca havia experimentado tal prática, embora conheça pessoas fanáticas por acender velas e colocar copo d’água no beiral da janela pra dar sorte.

Contudo, gostei da experiência, naquele momento, por volta das sete horas da manhã. Tive a sensação de estar reacendendo a esperança de reanimar algo ignorado. Senti um bem-estar incrível no coração; um certo regozijo por estar pensando na paz do mundo, que precisa encontrar o caminho da salvação, via plano espiritual. Tive a sensação gostosa de estar iluminando algo que não consegui identificar.

Tudo isso ia passeando pelo pensamento, quando liguei o rádio no programa do Pedro Osmar. Entre uma notícia e outra, entre comunicações de real utilidade pública, uma notícia ecoa no ar: “Acaba de falecer, aos 79 anos, no Hospital Raul Sertã, o ex-vereador e ex-presidente da Câmara Municipal de Nova Friburgo Celcyo Scylio Folly”.

Amparense como eu, Celcyo viveu como um bom samaritano. Só fez o bem, sem olhar a quem, como manda a Bíblia. Tinha o poder de cativar as pessoas, sempre com uma palavra de estímulo, fé e amizade.

Ele leva para a tumba a chave que fecha um ciclo virtuoso no modo de se fazer política com honestidade, sabedoria, desprendimento, dedicação e, sobretudo, com espírito público.

Ex-técnico de farmácia, foi vereador por quase trinta anos, tendo chegado à presidência da Câmara Municipal, no ano de 1963, por votação unânime de seus pares.

Juntos, e com outros colegas de imprensa, fundamos, em 20 de julho de 1957, a AFI - Associação Friburguense de Imprensa, da qual era seu atual diretor de Patrimônio.

Juntos, e com outros abnegados amparenses e amigos de Amparo, tendo à frente o meu saudoso irmão, coronel Heber Alves da Costa, fundamos, em 2 de junho de 1961, a Samam (Sociedade dos Amigos de Amparo), hoje, Associação de Moradores e Amigos de Amparo.

Pai do dr. Sérgio Schuabb Folly e da saudosa filha, professora Janete Schuabb Alves da Costa, Celcyo era viúvo de Néa Schuabb, de tradicional família friburguense.

Seu caráter compassivo o caracteriza como um bom samaritano – o socorredor de pessoas.

Perseguido político pela revolução de 64, Celcyo teve seus direitos políticos reconhecidos somente no ano passado, na condição de anistiado, tendo recebido uma importância em dinheiro por conta da indenização defendida pelo seu advogado, o ilustre dr. Heraldo Milward de Azevedo, pelo tempo que fora cerceado de sua liberdade de agir politicamente em favor da classe de motoristas, que, à época, reivindicava melhorias salariais.

No município de Nova Friburgo não há nome de rua que não tenha passado pelo crivo do Celcyo. Ele fazia questão de propor à Câmara as indicações em homenagem às pessoas representativas da sociedade, dando-lhes nomes de ruas e praças. Assim, ele identificava os logradouros sem nomes, ora por ele mesmo, ora a pedido da população local. Preparava o projeto formal, redigia o decreto, abria o processo devido e, finalmente, conseguia a aprovação no plenário da Câmara, até cuidar do encaminhamento do processo à sanção do Executivo.

Que o querido Celcyo descanse em paz assentando-se no trono dos probos, dos justos, dos honestos, dos valorosos homens que legaram às novas gerações o que hoje é raramente encontrado: a solidariedade, o amor, a coragem, o carinho e o respeito pelo povo.

Que a chama da vela – acendida por um acaso somente explicável pela existência da energia cósmica que nos cerca – permaneça eternamente acesa, como símbolo de uma amizade de mais de sessenta anos, desde os tempos em que vivíamos em Amparo.

Aécio Alves da Costa, presidente da Academia Friburguense de Letras.

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