O Sanatório Naval em Nova Friburgo - As memórias

sábado, 31 de julho de 2010

Última parte

Durante uma série de matérias divididas em sete partes, procurei mostrar a trajetória do Sanatório Naval em Nova Friburgo, utilizando algumas fontes secundárias e artigos de jornais da época. No entanto, é fundamental conhecer as memórias de alguns friburguenses que recordam-se dos primeiros anos de instalação do Sanatório Naval. Inicialmente, nas memórias de Nondas da Cunha Ferreira, agricultor, nascido em 1929, um fato que presenciou no Sanatório Naval lhe chamou a atenção. Como sua mãe lavava a roupa dos doentes tuberculosos do sanatório, Nondas, com oito anos de idade, a acompanhava puxando um carro de boi. Às 5 horas da manhã, quando ele e sua mãe iam apanhar a roupa, o médico tisiologista, com uma lista na mão, dizia o seguinte para os oficiais e praças doentes: “Antônio, José, Alberto e Paschoal, vocês vão até o paralelo 1”. No paralelo havia uma bica d’água e eles tinham que caminhar até ali e beber bastante água em jejum. “Gilberto, Antonio e João vão até o paralelo 3”. Já o paralelo 3 ficava mais distante, e os que eram indicados para lá poderiam andar mais, pois estavam em melhor condição de saúde. “Nossa água contém muito oxigênio”, esclarece Nondas e acrescenta: “O que se praticava com a marujada à época era tomar água mesmo sem querer, de manhã, em jejum, e andar a pé de manhã bem cedo. Às cinco horas da manhã o médico despachava todo mundo. Agora, quando voltavam do mato afora, uma estradinha de cinco quilômetros, eles tomavam café e na mesa tinha pão, queijo, geleia, bolo, para comer à vontade e quanto quisesse. Água boa, oxigênio, boa alimentação, era o que curava”, recorda-se. “Hoje já tem a vacina, o remédio, mas naquela época se tratava assim”, observou ele.

Maria Corrêa de Souza, Maria Luiza Braune, Leyla Melo e Nelie da Costa, que viveram sua adolescência na década de 40, do século XX, recordam-se dos lindos rapazes do H.T. (do Hospital de Tuberculosos). Os mais saudáveis, os ‘baixados’, eram autorizados a vir ao centro da cidade passear, porém, muitos fugiam do sanatório, saindo sem permissão. Os marinheiros portavam roupa azul e branca e os fuzileiros navais um traje vermelho. Os pais proibiam as moças de flertarem com os H.T., por receio de contágio da doença, mas apesar da proibição, muitas se casaram com os rapazes do H.T.. Um diretor do Sanatório Naval declarara que o procedimento moral dos H.T. nunca recebera críticas da população. No entanto, Rui Barbosa já teria se queixado da “marujada desenvolta, sem freio possível de disciplina, nem repressão policial exequível” na patriarcal Nova Friburgo. Na Casa da Sofia, um estabelecimento de ‘moças-damas’ na cidade, os H.T. eram considerados criadores de caso e eram vistos com certa aversão pelos friburguenses. Nelson Spinelli nos informa que os H.T. viviam passeando pela cidade, mesmo os não autorizados pelo médico, sem o menor controle por parte da direção do sanatório.

A história do Sanatório Naval em Nova Friburgo vai além dos cem anos que comemora este ano, em 30 de junho, como vimos nas matérias anteriores. Possivelmente, bode expiatório para os problemas crônicos de saneamento do município, o Sanatório Naval sofreu diversas investidas. Porém, sua história só faz corroborar com o tipo de representação que se fazia à época de Nova Friburgo, a de cidade salubre. Foi temendo macular o clima daquele santo vale, onde do céu se lê as cinco montanhas formarem a palavra saúde, já dizia o trovador J.G. de Araújo Jorge, que se criou uma animosidade por parte da população contra o Sanatório Naval. Mas deixemos as tensões de lado e fiquemos com a lembrança do Sanatório Naval conforme as memórias de Maria, Maria Luiza, Leyla e Nelie, que se recordam dos marinheiros e fuzileiros navais com seus lindos trajes e adornos militares flanando pela praça da cidade. Quando perguntei a elas se os H.T. eram bonitos, responderam em uníssono: “eram lindos!”.

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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